Por Jaqueline Stori – 16/09/2020
Faz um tempinho, que ele mora em Orlando (EUA), mas, ele é brasileiríssimo da cidade do Rio de Janeiro. Um artista visual que se utiliza de diversas linhas de pesquisa no desenvolvimento de sua arte, e que se permite experimentar e brincar com as várias e diferentes possibilidades oferecidas pela aquarela, dentro do contexto contemporâneo, em uma linguagem mais moderna, atual e conceitual, de acordo com suas conveniências e preferências pessoais e artísticas.
Estamos falando de Tiago Segundo, que desenvolve suas criações artísticas, dentro de estudos e pesquisas relacionados à padrões comportamentais e conceituais, em cima de alguns juízos de valores perniciosos ao convívio sócio-cultural e aos paradigmas criados e impostos pelo ser humano, que infelizmente ficam armazenados e se perpetuam por gerações e gerações no coletivo social.
O artista desde a infância desenhava. Intuitivamente já seguia o caminho das artes através de seus desenhos. No entanto, durante o término do ensino médio, cursava desenho de moda. Tinha pretensão em seguir carreira no mundo da moda, mas devido conversas com amigos e conhecidos que já haviam ingressado em cursos técnicos e bacharelado em moda, onde estes lhe relatavam um pouco de insatisfação com que os cursos ofereciam para os alunos, Tiago Segundo, que já tinha a arte em sua essência e também gostava muito deste universo, resolveu cursar História da Arte pela UFRJ (Universidade Federal Do Rio de Janeiro), até porque via neste curso um caminho que lhe proporcionaria um back ground de conhecimento sobre o mundo artístico, bem maior. Formou-se, e foi também buscar outros cursos paralelos relacionado às artes visuais, entre eles, o do Parque Lage (Rio de Janeiro), onde considera ter sido por causa deste, o ponto primordial para entrar definitivamente na carreira das artes plásticas, no ano de 2012.
Ao observarmos as obras deste artista, ao primeiro olhar podemos até achar “engraçado” e também curioso, algumas decomposições figurativas, principalmente às dos corpos femininos sem cabeça. Todavia, ao nos aprofundarmos no conceito das obras, nos deparamos com algumas temáticas sérias e complexas de nossa sociedade. Tais questões, inclusive, começaram a refletir nas obras do artista, ainda na época que cursava bacharelado, onde apresentou sua monografia que abordava de forma aprofundada, como introduzir o mundo da moda dentro do mundo das artes? Baseado em um específico desfile Tiago Segundo identificou neste, um certo tratamento misógino em relação ao corpo feminino. Partindo desta premissa resolveu desenvolver sua monografia na comparação deste desfile com algumas performances de Marina Abramovic, Mireille Suzanne Francette Porte, conhecida como Orlan e, Yoko Ono. Consequentemente, as comparações das performances com o desfile, mais estudos anteriores sobre corpos anoréxicos e as pertubações alimentares causados por um ideal ou exigência de um ideal de beleza, começaram a ganhar vida e a tomar forma na arte do artista.
Nas diversas Séries que desenvolveu, encontramos corpos femininos, sempre magros e bonitos, conforme exigência dos padrões de beleza ditados pelos diversos mercados existentes como os da moda e da publicidade, por exemplo.Vemos corpos sem cabeças acompanhados de diversos elementos que compõem este mundo e que estimulam a busca pelo corpo perfeito e pelo consumo adequado à enaltecer este corpo. Ao mesmo tempo, as conseqüências negativas pelo apego ao corpo perfeito ditado pelos mercados, também estão expostas em suas obras. Vemos corpos femininos dançando, usando roupas sensuais que sobrepõe o corpo feminino em relação à representação do feminino como um todo. Em cartas de baralhos usados nas décadas de 40 e 70, evidencia também corpos femininos, onde estes figuram em posições “sensuais” e apresentam a nudez do corpo feminino, sendo jogados em mesas de carteados por homens.
Ou seja, o artista encontra uma maneira de expor elementos que explicitam a situação do corpo feminino enquanto objeto: quando peguei estes baralhos para compor a Série “Welcome On Board”, não imaginei mulheres jogando com este baralho, principalmente naquelas décadas onde os valores eram diferentes dos de hoje. Até poderia ter, mas certamente este baralho foi criado para o público masculino. O que para mim, caracteriza como objetivação do corpo feminino. Então, a concepção que aplico nesta Série, com as cabeças explosivas e as cartas, traz uma crítica e também uma reflexão do como lhe dar com o corpo feminino como se fosse um objeto. Eu tiro o conceito original da carta para transformá-la numa crítica daquilo que está errado. Uma ironia sobre o uso do corpo enquanto objeto assim como o uso das cartas. A cabeça explodida é só um corpo. É como se esses trabalhos não permitissem que o expectador pudesse chegar ou acessar estas cabeças explosivas, que são um ponto de perturbações ocorridas, no sentido d’eu alfinetar, de desconstruir a imagem. Como um ponto de incomodo na imagem, explicou Tiago Segundo.
Muitas das obras do artista, além de explorar de forma crítica a naturalidade na banalização do corpo feminino e nos conduzir à problemática do cerne da questão, trazem também características figurativas e influências estéticas das décadas de 50, 60 e da Pop Art. Contudo, a essência artística inquieta de Tiago Segundo, percorre outros aspectos sócio-culturais que influenciam no comportamento consumista social. Em outras Séries, como a “Fashion Monsters”, encontramos elementos da vaidade e do consumo, como anéis, unhas postiças, brincos, roupas entre outros acessórios, em rostos de caveiras desfigurados e outras formas abstratas que pode-se observar também outras desfigurações.
Outro grande projeto do artista foi o Projeto Sentinelas, que sai do contexto da banalização e objetivação do corpo feminino, indo para a intenção de mascarar algo. Neste projeto, a principal pesquisa foi a exploração da mancha da aquarela. Tiago queria explorar mais a mancha da aquarela, onde já havia explorado anteriormente na Série “Fashion Monsters” e percebeu várias formas das flores com olhos: Sentinelas parte da questão de mascarar alguma coisa no sentido em que são os olhos que olham o expectador enquanto o expectador olha a obra, porém está meio que fantasiado de flor. Como se fosse uma câmera. Um expectador que não era pra ser expectador. Ou como um expectador que está à espreita tentando se camuflar porque a pessoa que este está vendo, não percebe estar sendo observado. Um jogo de olhares de quem olha e de quem não é olhado. Meio um voyeurismo este trabalho. A gente olha a obra e a obra olha a gente. No fim, a obra se camufla de obra, explicou ele.
Estas experiências e estudos com manchas da aquarela fazem parte da natureza plástica das obras de Tiago Segundo. Sua liberdade em criar e experimentar o novo, o diferente, em deixar fluir assim como a água (sua matéria prima principal), o faz um andarilho constante na busca das várias e diferentes formas que a aquarela pode lhe proporcionar em suas criações. O artista explora a aquarela como poucos e sempre consegue extrair um resultado e uma linguagem muito positiva para as variações e formas intrínsecas à contemporaneidade: meu desafio maior foi o de como conseguir trazer uma linguagem contemporânea na aquarela, saindo das pinturas de paisagens, retratos, e outras tradicionais feitas com ela, contou ele.
Diante deste desafio, o artista começou a dar uma nova roupagem à técnica onde iniciou trabalhos explorando a mancha da aquarela e de como esta mancha traz uma nova perspectiva, uma nova possibilidade para a aquarela, nesta questão plástica. Trabalhou com colagens, camadas, incisões no papel, onde explorou o máximo a capacidade da mancha. A partir destes experimentos, começou um processo onde ele fazia as manchas e depois destas secas, abria quadrados como se fossem janelas, e por traz colocava outra mancha de outra cor, de forma a causar certo rompimento na fluidez do trabalho, abrindo janelas, colocando as camadas e as cores do jeito à contrastá-las e causar rupturas na imagem. Dessas janelas vieram as Séries “Quebra-Manchas”, “Anti-Fluidos” e a mais atual, que embora tenha característica e linguagem bem diferente das Séries anteriores, continua as experimentações e os estudos com as manchas e camadas da aquarela e seu comportamento, que á Série “Entrelaçados”, que são colagens e recortes de papel, onde o artista trabalha nestes recortes o conceito das manchas sobrevoando delicadamente (graças a leveza do papel) pelo espaço como que células, moléculas e biofórmicas.
A Série “Entrelaçados”, além de ser oriunda dos experimentos, também reflete as sensações do artista mediante a mudança social que ocorre em todo o mundo, onde principalmente os afetos físicos ficaram praticamente proibidos, mesmo sendo uma medida adotada para o bem de todos. A saudade dos abraços e do contato físico com pessoas que amamos, são entrelaçadas nesta Série. Uma maneira de nos sentirmos juntos e acolhidos como era antes da pandemia, onde sempre tínhamos abraços, beijos e outros carinhos permitidos pelo contato físico. Por isso, também ousamos afirmar que a Série “Entrelaçados” ,nos remete aos entrelaços dos afetos que nos toma.
Com uma arte criativa conceitualmente centralizada naquilo que propõe, de estética visual singular e diferenciada dentro do contexto plástico e harmônico, especialmente com aquarela,Tiago Segundo vem ganhando cada vez mais espaço no cenário artístico contemporâneo, não só no Brasil mas também no exterior, através de diversas Exposições coletivas e individuas. Nas Coletivas, o artista já participou da Blueberry Art Festival no Alaska, Pop Art Palooza em Orlando, Salão de Artes Plásticas e Instituto Histórico e Cultural, em Arceburgo Brasil, Coletivo Eixo no Rio de Janeiro, Brasil entre tantas outros. Nas individuais o público pode conferir suas obras nas Exposições Beleza Violenta no Rio de Janeiro, À Deriva da Luxúria no Rio de Janeiro e na Tribute to Alaska, em Ketchikam.
Atestando que o tempo nem sempre pode render muitos feitos e sim o talento e a dedicação, este grandioso artista, faz de sua arte uma ferramenta de comunicação onde o expectador através de suas obras, participa de questões sociais que leva à reflexão sobre determinados assuntos que nos envolve direta e indiretamente, tanto de forma positiva como negativa. As obras de Tiago Segundo revelam verdades sobre o comportamento sociocultural e suas conseqüências. Despertam no expectador, através da reflexão, um misto de sensações e emoções que muitas vezes não reconhecemos ou ignoramos por algum motivo em que não queremos ou recusamos perceber, porém, querendo ou não, vivemos tais situações e elas nos afetam claramente. Mas, não é só isso. O principal ponto da arte viva desse talentoso artista é sem dúvida o intermédio (a ponte) entre o expectador e o afeto. Uma arte que fala, que ouve, que manifesta, que ousa, que realiza, que busca e que permite e aceita os ciclos da renovação exatamente como estes se apresentam: assim é a arte de Tiago Segundo!
Viva Cultura!: Tiago, muito obrigada pela oportunidade em podermos estar apresentando e divulgando sua arte.
Tiago Segundo: Obrigado a Viva Cultura por divulgar e fomentar a arte visual brasileira.
NOTA: Todas as imagens gentilmente cedidas pelo artista.
** Todas as informações sobre a arte de Tiago Segundo, no Instagram @tiagosegundo
PRESTIGIE A ARTE BRASILEIRA!!