Por Jaqueline Stori – 31/10/2019
Ele nasceu e mora em São Paulo. É escultor e tem uma assinatura muito forte na criação de suas obras, principalmente no que diz respeito à transposição e harmonização de elementos opostos, paradoxos e complexos. Pode ser que ao primeiro contato visual você veja e sinta até graça das formas expostas em suas obras escultóricas: o que não deixa também de ser um dos elementos (o humor) buscados para suas criações, segundo o artista. Mas, conforme a intensidade e profundidade do nosso contato, nosso olhar e sensações se deparam com uma diversidade de elementos que nos levam a várias interpretações, emoções e sentimentos, imbuídos de questionamentos e até mesmo de curiosidade em saber, como pode esse equilíbrio físico? Sim, pode este, e diversos outros equilíbrios e desequilíbrios juntos com tantos outros aspectos.
A arte consegue poder tudo ou pelo menos quase tudo! Fernando Cardoso é um desses escultores que provam que suas obras conseguem. Artista visual há 30 anos, graduado em administração e mestre em semiótica, Fernando diz ter iniciado no mundo das artes visuais aos 18 anos, sem estímulo externo e pretensão. Tudo de forma bem intuitiva. Resolveu comprar argila e começar a fazer esculturas. A partir do seu contato com a argila ele conta que foi encontrando seu caminho… se desenvolvendo… se questionando… se buscando, até perceber que as esculturas já faziam parte do seu viver. Partiu para fazer alguns cursos de artes, objetivando maior auxilio em técnicas e conhecimentos, porém podemos afirmar que é um autodidata.
O artista conta que cada passo de sua vida, história e trajetória, está representada por alguma escultura sua, tanto de uma evolução profissional como um caminhar: Peça por peça onde estas vão se desdobrando, se ressignificando, evoluindo e construindo um fio condutor que é a evolução da minha carreira e da minha identidade como artista. Produzo desde meus 18 anos de idade e constantemente estou sempre buscando e questionando. Fico cada vez mais apaixonado pela arte e pelo que ela representa e desenvolve em mim, revela.
Hoje, suas obras são produzidas com metal, porém, é na argila que o escultor encontra sua maior fonte de criação e afinidade. Sua entrada no universo das artes, seu relacionamento, identificação e seus estudos e pesquisas aprofundados, aconteceram devido esta matéria prima, que Fernando Cardoso qualifica como incrível por achar que esta é o que existe de mais criativo como material de produção, e por isso trabalha a pré-produção de suas obras com ela. É através da argila que o artista dá vida e forma as suas belíssimas esculturas: tudo começa nela até chegar no metal. Todas esculturas que produz tem um ponto central.Tem obras que são os pés, outras a cintura, outras as asas etc. O artista também tem uma linha de quadros que exploram o reflexo e a duplicidade corporal.
Porém, o que mais chama atenção no conjunto de suas obras, é sua peculiar característica que o leva à criação de esculturas desconstruídas com volumes harmoniosos, que são relacionadas diretamente com o cerne de sua essência como artista e pessoa. Seu processo criativo está sempre buscando limite, buscando fronteiras, buscando o limite do figurativo. Fernando Cardoso vai desconstruindo determinados elementos e os colocando juntos sem compromisso com o real. Este processo nos oferece resultados de obras que nos transmitem sensações de proporções com desproporções, equilíbrio com desequilíbrio, buscas e nunca o encontro, questionamentos e nunca a resposta, levando-nos a perceber e sentir a adoração que ele tem pelo não óbvio.
Gosta muito das curvas e da harmonia dos movimentos. Com isso, ele vai construindo uma nova realidade sem que esta pareça esquisita, trazendo harmonia e uma certa veracidade para algo que não existe. Sempre explorando e brincando com o limite do figurativo, que é um de seus maiores desafios.
Suas singulares esculturas possuem forte presença do poder e da sensibilidade feminina. São esculturas de estética esguia (em sua maioria), ligadas à fluidez, a leveza e ao mesmo tempo firmeza, que dialogam com a dança e principalmente com o movimento. Esculturas criadas dentro do conceito de fascínio do artista pelo equilíbrio e pela sutileza, seja na figura masculina ou feminina. Porém, é na figura feminina e também na sua reverência pelos movimentos que Fernando Cardoso se inspira na criação da maioria de suas obras.
A inspiração no movimento da dança, principalmente do Balé, onde os pés são praticamente protagonistas da fonte de equilíbrio para todo restante do corpo, como na maioria de suas esculturas, não é pelo Balé em si como explica o artista: tenho forte ligação com o movimento do Balé mais pela leveza que ele representa no corpo. Eu adoro o equilíbrio do Balé junto ao desequilíbrio, e me aproprio disso nas minhas criações!
E essa adoração é totalmente figurada em suas esculturas, onde nos faz questionar, como pode um equilíbrio dentro de um desequilíbrio ter uma estética tão bela, leve e elegante ao mesmo tempo? A firmeza das esculturas tem posições e pontos de apoio quase desequilibradas, como por exemplo, as que se apóiam em um único dedo: O movimento corporal para mim é o movimento que mais encontra os seus limites. Seja na acrobacia, na ginástica, nos exercícios de alongamento entre outros movimentos do gênero. Em particular, acho que a dança trabalha muito a plasticidade corporal de curvas, de movimentos, de equilíbrio e de estética. O balé clássico, citando caso análogo, tem uma relação muito forte com os pés. De leveza de equilíbrio nas pontas dos pés. E são esses elementos em especial, que utilizo como matéria-prima para a composição e criação das minhas esculturas, explica o artista.
Mas, nem só do equilíbrio e desequilíbrio dos pés provenientes da dança e dos limites do corpo, concentra-se o conceito e a relação de Fernando Cardoso com os pés. Na Série Raízes, que o artista diz ter nascido pelos pés, o conceito já se expande ao diálogo relacionado com a natureza, com o não figurativo e com elementos que não são de um corpo humano. Inclusive, explica, que foi a partir daí que veio a simbologia com os pés e que estes foram utilizados como elementos identitários da natureza como a raiz, a terra, o chão, com o peso e também com o equilíbrio. A dualidade dos pés lhe permite brincar com os elementos da natureza e com conceitos relacionados a estes. Uns enraizados, alçando vôos com mão muitos pequenas, como se fosse voar, porém, os pés são como um peso. E essa condição de peso de certa forma acaba passando determinada tensão, aguçando as mais variadas interpretações, sensações e questionamentos.
As curvas, outra paixão desse artista, acompanham de maneira muito harmoniosa todo o conceito definido e utilizado por ele em suas obras. Em todas elas, encontramos curvas dialogando não só com os diversos elementos figurativos abstratos propostos, como também sendo parte do elemento central junto aos pés. São estas curvas que nos permitem ainda mais, sentirmos e enxergarmos a potencialidade do corpo humano no que diz respeito aos movimentos capazes de serem realizados e aos limites ultrapassados, que o artista diz não se prender desde que seja esteticamente agradável à ele. E esta liberdade de não estar e nem de ser preso à algo, é que é a sua lei e paixão em construir seu caminho, como ele mesmo declara: “Cada peça um passo na caminhada”.
Esta caminhada levou a arte de um dos maiores ícones da escultura brasileira, para diversas exposições coletivas e individuais, além de diversas premiações conquistadas, graças a sua originalidade em olhar e representar em sua arte, a sua paixão e interesse pela forma humana, onde busca através dos movimentos e das curvas a expressão de sentimentos, que tanto encanta, emociona e desafia o público!
Força, movimento, poder feminino, equilíbrio, desequilíbrio, curva, harmonia, desafio, questionamento, diálogo, figuração, construção, desconstrução, leveza e principalmente liberdade, fazem das obras de Fernando Cardoso um verdadeiro patrimônio esculturórico transcendente às infinitas possibilidades de representações artísticas do corpo, da mente e da alma humana.
Viva Cultura!: Fernando, muito obrigada pela entrevista e pela oportunidade em divulgarmos sua arte.
Fernando Cardoso: Obrigada a Viva Cultura Revista Digital pela entrevista e por divulgar e fomentar a arte e acultura brasileira.
NOTA: Todas as imagens gentilmente cedidas pelo artista.