Arte Visual

O alfabeto autoral e marcante da arte graffiti do artista plástico Thiago Calle.

Obra em processo de criação. Thiago Calle.

Por Jaqueline Stori – 04 de Maio de 2019

 

A arte urbana que tem seu surgimento marcada aqui no Brasil, inicialmente no Estado de São Paulo na década de 1970, trouxe para a história cultural brasileira uma linguagem transgressora que não pedia licença e que gritava nas paredes e muros as indignações e manifestos de uma geração inconformada com as variáveis negativas relacionadas às diversas questões que envolvem toda uma sociedade. Sabemos que o movimento surgiu dos guetos dos EUA (que desenhavam seus graffitis pelas ruas dos bairros onde viviam), pelas comunidades latinas, afro-americanas e jamaicanas onde na época despontavam com muita força e atitude e que assim foram se espalhando por diversos países, enfrentando o preconceito de uma sociedade que descartava e não tolerava a arte que estivesse fora dos museus e centros culturais. Além disso, seus autores eram marginalizados por virem dos guetos e por não freqüentarem as academias artísticas. O conceito de arte da época não permitia a associação da arte às ruas e às classes comunitárias.

Thiago Calle.

Mas, não era só uma questão de querer inserir uma nova expressão artística no circuito das artes em geral. Era muito mais que isso: Era protestar com arte. Era chamar atenção para questões sociais. Era chamar a atenção para uma parcela “ignorada” pelo assistencialismo governamental e social. Era chamar a atenção de todos para os guetos. Era também provar a capacidade intelectual e artística que habitava nas comunidades e que não eram consideradas, muito menos vista. Enfim, era revolucionar. E conseguiram!

Em seu surgimento, o grafiiti, que deixava registrado nos muros e nas paredes dos bairros os incômodos de uma geração, foi se transformando em um importante veículo de comunicação urbana e colaboradora para a existência de outras vozes. Os grafiteiros transformavam suas cidades em um suporte de comunicação artística sem delimitações de espaços e mensagens. Muitas foram as lutas, os protestos, as manifestações e as linguagens utilizadas até a arte urbana alcançar o que é hoje: uma arte pública reconhecida e respeitada pelo seu valor e teor cultural, pela sua capacidade de transformação, comunicação, interação, por sua linguagem própria, por sua naturalidade pautada em criticas sociais e políticas,  pela ousadia estética e artística em integrar-se aos mais diferentes e variados ambientes urbanos e pela coragem em fazer das ruas um palco a céu aberto da diversidade cultural do mundo inteiro.

Thiago Calle.

O graffiti veio como o pioneiro abrindo portas para tendências, opiniões, comportamentos, estilos, maneiras de viver e consequentemente novas vertentes da arte urbana como instalações, performances, colagens, cartazes, manifestações literárias entre outros. Hoje, não conseguimos mais andar pelas ruas sem ansiar por algum tipo de intervenção artística urbana que nos transmite sentimentos diversos e que dialoga com nossa cidade e nossa sociedade. Consolidada no mercado cultural e no circuito artístico a arte urbana hoje é um patrimônio cultural mundial. E como tudo começou com o graffiti, convidamos o poeta, artista plástico e grafiteiro Thiago Calle, que através da sua arte encanta os olhos do público e os vários bairros dos centros urbanos, principalmente na cidade de São Paulo, onde nasceu e reside.

O artista conta que desde sua adolescência junto aos colegas mais velhos, já desenhavam seus nomes nas ruas do bairro onde moravam e na escola onde estudavam. Recorda e considera que aos 13 anos de idade realizou seus primeiros poemas em caderno, letras de música e outros escritos e que aos 17 anos de idade anos fez seu primeiro graffitti sob forte influência de um amigo de classe, do bairro Guarapiranga onde residiam na época. Desde sua infância tem um o contato muito intenso com as ruas. Crescendo e brincando na favela onde morava,  ainda menino, com uns 7 anos, ficava brincando com seus colegas até altas horas da madrugada e que com uns 8 anos de idade passou também a trabalhar nas ruas da zona sul vendendo salgados para ajudar nas despesas da casa, devido a origem humilde de sua família. As brincadeiras na favela e o trabalho desde muito cedo em ruas de bairros nobres, intensificou o contato do artista com a vida e os diferentes modos de viver no mundo e do mundo urbano. Sua sensibilidade e vivência fizeram com que enxergasse a poética oferecida pelas ruas, e assim começa a troca de experiências entre rua e artista onde ambos se fundem em diferentes expressões.

Na rua, em processo de criação.
Thiago Calle.

Thiago Calle é um artista que trafega em várias frentes da arte e freqüenta vários lugares: do desenho à caligafria, da poesia aos telhados, muros e paredes da cidade, dos saraus da periferia às vernissages dos jardins. Esse tráfego rico, plural e enriquecedor tanto para o público como para os artistas, também o acomete à certas idéias que envolvidas ao conceito de seu trabalho, algumas vão sendo inseridas e outras descartadas. Mas, ainda que o artista seja um apreciador e estude muito as mais diversas expressões e gêneros artísticos, sua criatividade, aptidão e gosto pela poesia e pela música levaram-no ao desenvolvimento de um alfabeto autoral, que segundo ele ainda está em construção e vem de uma investigação desde o ano de 2014. Com seu alfabeto escreve trechos de poemas e também seleciona tais trechos pelo momento que vive, pelo que seus murais se transformam durante o processo de criação e pelo local em que está. O artista declara que na rua, a pessoa tem que se adequar ao material escasso, ao clima, aos limites do corpo etc. Há sempre uma troca, afirmou ele.

Característica marcante de seus trabalhos, usa seu alfabeto nas ilustrações de seu último livro “Cromo Tinta Cor Espelho”, em suas telas e murais onde mesmo sem escrever algo, podemos apreciar e notar com entusiasmo um fundamento poético e uma estética bem diferenciada das que vemos comumente pelos centros urbanos: Por trafegar nestes universos, do desenho, do gaffiti, da poesia e das artes plásticas, encontrei no meu alfabeto a maneira de alinhar essas linguagens no conjunto de minhas obras, contou ele.

Thiago Calle.

Em suas produções de artes plásticas, Thiago Calle diz fazer uso de rolinhos de pintura desde os primeiros graffitis, devido a estética e possibilidades de texturas proporcionadas por estes tipo de rolo. Também faz uso do spray e de diversos outros tipos de materiais como pregadores de roupa, gesso, lápis, espátulas, acrílicas e muito pouco, o pincel. Além disso, possui uma ampla paleta de cores que permite seu trabalho caminhar para  uma natureza mais orgânica: Uma cor vai me guiando a outra e eu vou entregando às paredes o que elas me permitem entregar, explicou o artista.

Dos muros e paredes dos centros urbanos a arte graffiti de Thiago Calle também aterriza em belíssimas telas, permeadas de trechos de poemas, signos de outras culturas e palavras de poder e desejos que ele mesmo almeja. Em suas telas o artista procura manter produções em séries buscando a infinitude dentro de cada uma delas com várias camadas de sobreposição e remoção: Um trabalho de investigação à procura de algo que eu mesmo escondi ali. Uso signos de outras culturas como as dos Vikings ou os Berberes, aplicando intenção sobre a matéria e logo em seguida aplicando uma sobreposição, a escondendo, mas como um bebê que sabemos estar debaixo dos lençóis onde não o vemos, mas sabemos que está ali crescendo com vida e energia, explicou o artista.

Thiago Calle, em processo de criação.

Tendo características bem específicas que nos guiam a reconhecer logo de cara suas obras, devido seu diferencial estético e singularidade, Thiago Calle que não se prende ou mantém uma marca, por achar que esta muitas vezes (fazendo uma analogia) seja como um prego a ser martelado na cabeça do público até entrar, ficar e viciar, também se dedica a criar obras que fogem da sua linha “central” de trabalho como por exemplo a Série Linhas de Soco, onde ele apresenta uma série de desenhos minimalistas de boxeadores, sozinhos ou em ação. Nesta narrativa estética e poética onde o elemento musical se encontra presente, como em todos os seus trabalhos, o artista fala da luta pela vida, essa dança…, da beleza rude das ruas principalmente quando o desenho é associado a tags ou pichações: Alguns pensam que está escrito algo. Muitos acham que está escrito “ Calle”. São linhas que apresentam um pugilista. São linhas de soco. E por mais que muitos não entendam o desenho, se impactam com ele. Se impressionam! São linhas de soco que em inglês significa “Punch Line”, que é um termo usado no rap americano para as frases de efeito. Meu desenho pugilista é isso: uma frase de efeito, afirmou Thiago Calle.

Da Série “Linhas de Soco”.
Thiago Calle.

E por sua criatividade, talento, conhecimento e característica marcante da sua arte, o artista que além das ruas onde expõe suas grandiosas obras, também participou de diversas exposições em centros culturais e galerias de arte, não só no Estado de São Paulo como também em Salvador (Bahia) e Paraty, no Estado do Rio de Janeiro.

Este artista, de origem humilde que cresceu em comunidade não poderia deixar de se engajar em projetos sociais voltados para crianças de vulnerabilidade social. Atualmente, ajuda amigos do coletivo “Vie La En Close” na favela do Morumbizinho, Zona Oeste, onde diz apenas somar com sua arte graffitti à de outros amigos. Já ministrou oficinas de caligafria de graffiti, pois acha essencial principalmente para as crianças, tentar plantar uma semente e esta gerar bons frutos para a sociedade e para a individualidade de cada uma delas, onde essas assim têm a possibilidade de mudar suas perspectivas e visão de mundo.

Thiago Calle.

Um dos fundadores do Projeto Cultural Jazz na Kombi, que leva o jazz de volta às ruas, Thiago Calle conta que trata-se de um projeto que vai pegando os ouvidos  distraídos e propiciando às vezes o primeiro contato real com o jazz, ritmo que nasceu nos guetos e que foi sendo elitizado. Para ele, pintar nas ruas já é um projeto social também. Toda forma de colocar pessoas em contato com a arte, é uma ação transformadora. Humaniza! As pessoas passam, param e admiram. Algumas até nos agradecem quando nos vêem pintando. Uma mulher nos viu pintando uma vez e disse que nós alegramos o dia. É gratificante e motivador ver e sentir a alegria e o entusiasmo que a arte passa para as pessoas! Todo graffiti é uma janela na parede: Ele amplia o alcance das vistas cansadas da metrópole e da vida conturbada e muitas vezes cabisbaixa das pessoas, concluiu o artista terminando esta.

Viva Cultura!: Thiago, muito obrigada por nos oferecer a oportunidade em apresentarmos sua arte para nossos leitores e publico em geral. Parabéns pelo belíssimo trabalho!

Thiago Calle: Agradeço a Viva Cultura por divulgar meu trabalho e por ser propagadora da arte e da cultura.

NOTA: imagens disponibilizadas pelo artista.

SERVIÇOS: Tudo sobre a arte de Thiago Calle em:

Facebook.com/thiagocalle.oficial

@thiagocalle

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