Arte Visual

Lixo tecnoeletrônico transformado em arte sustentável pelos sendidos do artista visual, Valter Nu.

Valter Nu.

Por Jaqueline Stori – 18/01/2019

 

Há mais de 25 anos ele pesquisa a arte feita com o descarte da civilização contemporânea, nas caçambas das grandes cidades. Frase retirada do site do artista visual em questão e que resume bem o que este nativo de São Paulo capital, oferece e cria para o público, para a sociedade e para o meio ambiente.

Estamos falando de arte, de enormes esculturas criadas e produzidas somente com lixo tecnológico e eletrônico que além da beleza e criatividade, agrega sustentabilidade nos alertando inclusive não só para inúmeras possibilidades de trabalhar com matérias primas tidas como lixo, como também na questão do consumo excessivo e consequentemente do seu descarte desenfreado que envenena a saúde do planeta.

Da Série: A Lenda Dos Sereios.

A Viva Cultura tem o prazer de iniciar o ano de 2019, falando sobre a arte sustentável de Valter Nu, artista visual que desde cedo quando se iniciou no mundo das artes já tinha o intuito em produzir esculturas e trabalhar com resíduos sólidos de tecnologia, devido pesquisas que já realizava sobre o impacto ambiental e sua preocupação com o mesmo desde criança. Porém, a arte de Valter Nu, não se resume apenas em realizar lindas esculturas com lixo tecnológico. Não que isto não tenha tanta relevância. Ao contrário: É primordial este e qualquer outro trabalho sustentável! Mas, atrás de toda uma contribuição e conscientização ambiental, a arte de Valter Nu também bebe da fonte da cultura popular, da religiosidade diversa, do pluralismo, do manifesto social, de homenagens a figuras não valorizadas em nossa sociedade mais que tem um papel importantíssimo na construção da mesma, do cinema e seus grandes diretores e da linguagem musical que permeia toda sua arte.

Da Série, A lenda dos Sereios.

Em entrevista a Viva Cultura, o artista visual nos contou sobre seu processo de criação que tem início no desenho. Valter Nu, primeiro desenha a planta (como ele denomina seus esboços) e depois faz o memorial descritivo do material necessário e mais adequado à ser utilizado para a confecção das suas esculturas, com suas especificidades. Tendo definido o material (como cabos HD, teclados de laptop etc.), o artista sai para as ruas onde vai garimpando lixos e caçambas urbanas. Valter Nu fez questão de frisar que não compra lixo eletrônico e tecnológico de lojas. Seus materiais são todos retirados do lixo, mesmo. No máximo comprados dos carroceiros, afirmou o artista.

Da série a Lenda dos Sereios Urbanos.

Seus trabalhos artísticos também se envolvem em projetos sociais voltados para pessoas em situações de vulnerabilidade, dos quais Valter Nu participa como professor e educador, e também projetos de cunho pessoal como o da Escultura Glub que é um dos maiores e melhores trabalhos de arte do Brasil, referente não só a sustentabilidade como também uma maravilhosa campanha de conscientização, de choque da realidade do que aconteceria ou pode acontecer com nosso planeta, se não tomarmos providências eficazes e imediatas para a diminuição do lixo no meio ambiente.

O projeto da Escultura Glub, além de estar inserido no contexto de sustentabilidade e conscientização, de ter um conceito forte e sólido, carrega uma estória que não pode deixar de ser contada por fazer parte do universo imaginário criativo desse artista.

Escultura Glub.

A Escultura Glub conta para o público a estória do  planeta Terra, que invadido e sufocado com sucata de materiais hidráulicos, perde sua órbita e se vê mergulhado num mar de peixes mutantes e animais hibridizados (meio bicho-meio lixo tecnológico). Os rios e mares asfixiados pelos expurgos humanos cobram, enfim, seu preço. Agora, a única força capaz de devolver o mundo para sua órbita original é a grande Serpente Dan, representante do Orissá Ossumarê e dos movimentos e fluxos da natureza. Com esta estória o artista nos coloca em um futuro não muito distante do caótico mundo que estamos fabricando e da reação da Mãe Natureza por ser tão agredida por nós humanos.

Segundo pesquisa realizada por Valter Nu, trata-se de uma obra produzida por meio de sucatas de lixo eletrônica e materiais hidráulicos descartados como chuveiros, torneiras, filtros, mangueiras, canos de PVC, além de máquinas de lavar roupas, tanques, galões de águas e arames. Nesta obra, não foram utilizadas soldas, parafusos ou colas. Todas as peças foram amarradas e trançadas como malha de tecido. Já os peixes mutantes, foram confeccionados a partir de sucatas variadas, especialmente lixo tecnológico.

Escultura Glub. Detalhe para as criaturas aquáticas compondo o conceito da obra.

Indo agora para outros lados da arte de Valter Nu que também tem como característica a produção de obras de arte em séries, vamos viajar para algumas das diversas exposições já realizadas pelo artista, como a Exposição A Lenda Dos Sereios Urbanos, realizada nos meses de Junho e Julho de 2018, na Vitrine Cultural do metrô de São Bento e no Centro Cultural do Alumínio, ambos em São Paulo.

A exposição que apresentou esculturas intituladas Sereios Urbanos, traz uma mítica homenagem aos trabalhadores da construção civil que perderam suas vidas construindo pontes sobre rios e mares. O artista visual nesta série chama atenção do público, sobre os riscos vividos por estes profissionais que em maioria trabalham sem nenhuma segurança, perdem suas vidas pelo descaso dos contratantes e passam despercebidos pelo poder público e pela sociedade. Para a confecção dessas esculturas Valter Nu utilizou sucatas de alumínio encontradas em computadores e conduítes eletrônicos .

Da Série A Lenda dos Sereios Urbanos.

Com o convite para participar da 1° Bienal de Arte Sacra Contemporânea de Braga, no mês de Agosto de 2018, no Museu PIO XII, Valter Nu partiu para Portugal e dedicou-se na criação da Escultura Oras Pró Nortes, instalada na entrada do Museu marcando a abertura oficial da Bienal. A obra do artista para este evento partiu da seguinte premissa:

“Navegar é preciso, seja no mar intercontinental salgado e denso, seja no mar de informações da web, que liga mundo, pessoas e conecta idéias.”

Com este conceito o artista criou uma única escultura em forma de oração, que se traduz em imagem. Uma forma de contemplar o feminino que nos guia e a quem reverenciamos quando nos lançamos ao mar e ao desconhecido: Nossa Senhora dos Navegantes, que guiou Cabral; Yemonjá, que orienta e protege os povos negros e escravizados; Iara, protetora dos rios e mares dos nativos brasileiros; e nossa Senhora da Aparecida do Norte, padroeira do povo brasileiro cuja imagem foi encontrada em um rio por pescadores.

Escultura Oras Pro Nortes, criada exclusivamente para a Bienal de Braga, em Portugal.

A majestosa e lindíssima escultura Ora Pró Nortes, tem em sua cabeça três quilhas representando estes três lugares de fé: a maior e a mais central representa a África, berço da humanidade. As duas laterais representam Brasil e Portugal. Esta obra foi confeccionada com a sucata de 50 gabinetes de computadores locais, e após o encerramento da Bienal de Braga, ela foi transferida para os Jardins do Sameiro.

Perguntado sobre sua relação com a religião e com a cultura afro-brasileira e de que forma estas influenciam sua arte, Valter Nu respondeu que é uma pessoa mística, de fé e que absorve as diferentes culturas religiosas através de estudos e das pessoas de seu convívio: eu inclusive questiono o por quê dos Orissás que pertencem a cultura Yorubá, não fazem parte da cultura pop iguais várias divindades como Baco, Thor, Irís, Atena e tantas outras? Temos a cultura Nórdica, Asteca, Chinesa etc, que são representadas dentro deste contexto pop e ocupam espaços entre as diversas sociedades e são reconhecidas pela suas imagens, lendas e histórias. Então, por que não abrir este espaço para as divindades africanas? Por que estes também não podem fazer parte do pop, ficar entre nós e ser reconhecido como as demais divindades? Daí, o projeto TecnoOrixás, que permite e oferece ao público, o contato com as divindades africanas. Os Orissás, são uma das muitas heranças de nossa ancestralidade, da cultura do povo africano que veio pra cá. Estão ligados diretamente à nossa cultura religiosa. São cultuados por milhares de brasileiros e mesmo assim são bem desconhecidos e postos à margem da sociedade por ainda estarem presos a um conceito de paganismo e pecado. Então, quando resolvi criar o projeto TecnoOrixás, foi com o intuito de inseri-los dentro do contexto da cultura pop. Queria que eles, estivessem no convívio das pessoas. Nos lugares de grande fluxo de gente, como parques públicos, metrôs e ruas, para desmistificar essa “falsa impressão” de que os Orissás são uma coisa ruim, do mal. Quero vê-los apreciados como tantas divindades, que mesmo não havendo mais culto para algumas, elas continuam sendo admiradas, respeitadas e fazendo parte da nossa cultura pop, explicou o artista.

Da Série TecnoOrissás: Orissá Osálá.
Êpa Babá!!

O projeto TecnoOrixás, foi realizado em séries e tem suas esculturas com tamanhos variados, mas sempre de grandes proporções, por volta de 3×1, 80 x 1,50 m, tendo sido expostas em diversos lugares do centro urbano de São Paulo como praças e parques e, em eventos de grande repercussão midiática e de público, como a Feira Preta que é o maior evento de cultura negra da América Latina e na Virada Sustentável de São Paulo.

A arte de Valter Nu, como dito acima, possui características bem marcantes não só pelo fator contextual sustentável como também pelo uso de elementos e linguagens artísticas que influenciam a criação de suas obras no que diz respeito ao conceito e a estética de seus trabalhos. Na Série TecnoDescartavel, o artista criou instalações singulares trazendo importante relação dessas com a música. Todas as obras foram inspiradas em canções da MPB, e quando expostas, apresentavam ao seu lado o título e a composição musical relacionada e inspiradora. A Série TecnoDescartável possui a temática da repetição e do descarte: sempre a mesma cabeça e a cor azul em várias tonalidades  para lembrar inclusive, que o azul é a cor do CÉSIO 137, que encantou alguns catadores goianos em 1987, causando o maior acidente radioativo do Brasil e do mundo, acorrido fora de usinas nucleares.

Da série Tecnodescartável.

Valter Nu nos contou que sempre pensa na música em primeiro lugar, para criar suas esculturas e que estas, ele  vê como um cenário ou fazendo parte do mesmo, por pensar suas criações com uma cara futurista mas que ao mesmo tempo é antiga, também por influência cinematográfica.

Graças ao seu talento, ao diferencial artístico e ao conceito sustentável utilizado em sua arte, Valter Nu, foi convidado a fazer parte do SDGAction Around The World, projeto internacional que promove ações de esculturas  com o conceito de sustentabilidade: menos resíduos e mais esculturas pelo mundo.

Claro que esse talentoso, criativo e excelente artista, não ficaria de fora de um projeto tão grandioso quanto suas obras!

A partir deste ano, Valter Nu, levando suas esculturas para todo o mundo, leva também em sua bagagem nossa cultura, nosso pluralismo, nossa história e nossa arte, atestando que a arte  brasileira é majestosa em sua rica diversidade cultural e que unida à sustentabilidade, ela não só é libertadora como também preservadora do meio ambiente.

Viva Cultura: Valter, muito obrigada pela entrevista, por nos oferecer a oportunidade em divulgar este trabalho  tão construtivo permeado de valores indispensáveis ao desenvolvimento sócio-cultural e sustentável.

Valter Nu: obrigada a Viva Cultura por divulgar e fomentar a arte e a cultura brasileira.

SERVIÇOS:

@valternuarte

www,facebook.com/valternuarte

NOTA: Fotos fornecidas pelo artista visual entrevistado.

Leave a Comment