Localizado no bairro de Guadalupe, zona norte do Rio de Janeiro, o Ponto Cine usa o audiovisual como ferramenta de inclusão e formação social, atingindo a comunidade local, adjacências, escolas públicas, terceira idade e também outros estados. Acreditando na cultura como um dos maiores e principais pilares de desenvolvimento social, o Ponto Cine continua com seus projetos e vai driblando a crise, a violência local e o pouco incentivo do poder público. Um projeto que conseguiu tirar a atenção voltada para a violência de Guadalupe das páginas policiais e levou o bairro para as páginas de cultura.
Em entrevista a Vem Curtir, o coordenador Thiago Salles nos fala sobre este projeto, como ele nasceu e como funciona, sobre o impacto positivo causado pelos que passam e passaram por ele.
Thiago começa nos contando que na realidade o Ponto Cine é uma produtora cultural que desenvolve diversos projetos educacionais, usando o audiovisual como principal instrumento e que a sala de cinema é um dos projetos desta produtora.
É uma sala comercial como qualquer outra com duas diferenças: preço baixo e justo além de ser voltada exclusivamente para a exibição de filmes nacionais. Não exibimos filmes estrangeiros, não por não gostarmos. É que nosso objetivo é focar somente no audiovisual nacional, como em todos os outros projetos, fala Thiago.
Por conta disso, passamos a ser a maior e única exibidora de conteúdo 100% nacional, do Brasil e do mundo, além do cinema possuir tecnologia de áudiodescrição e legendagem eletrônica. É só o filme ter esta tecnologia, que a pessoa pode sentar onde quiser e através do sinal de wifi ela começa a dispor desta. É uma sala pequena com capacidade para 73 lugares, porém, ela oferece tecnologia e conforto para o público, além de possuir rampas de acesso para cadeirantes. Exibimos também para as principais Mostras e Festivais do Rio de Janeiro e proporcionamos acesso gratuito para as escolas públicas, através do Projeto Pró Social Cinema. Aqui em Guadalupe, conseguimos garantir o acesso a mil e duzentos pessoas por mês, para qualquer filme que esteja em cartaz.
Sobre os outros projetos além da sala de exibição, Thiago nos conta que existem mais sete projetos e todos ativos, sempre: todos os nossos projetos são muito bem pensados e desenvolvidos de acordo com a necessidade e o local. Não estabelecemos um padrão para todas as escolas, comunidades e público, por entendermos e vivermos a experiência de que cada um tem sua peculiaridade.
Além da sala de exibição temos o Projeto Cine Literário que mistura cinema com literatura, onde algumas instituições recebem 50 títulos duplicados de livros e filmes inspirados na literatura brasileira. Então, escolas e ONG’s recebem este material como doação e mais 1 monitor LCD de 47 polegadas e 1 aparelho Blue Ray. Assim, as respectivas equipes passam por nossas oficinas junto com nossa equipe para aprenderem a utilizar este conteúdo dentro das escolas, sem ser uma ferramenta de avaliação para o aluno. Este processo com nossa equipe, acontece por termos percebido que os filmes nacionais são muito utilizados como avaliação, onde alunos são “obrigados” a assistir e depois fazer algum tipo de avaliação como uma redação, prova ou trabalho. E isto, esta obrigação em ter que assistir filme nacional com a finalidade de realizar trabalhos didáticos, acaba afastando os alunos de apreciarem mais o nosso cinema. Falando direta e objetivamente acaba criando no inconsciente coletivo desses alunos que cinema nacional não é entretenimento como os filmes estrangeiros, por exemplo. Os filmes estrangeiros são assistidos sem compromisso. Por puro prazer da diversão. E isso, é que queríamos passar para as escolas. Nossa idéia foi levar um trabalho para as escolas como ferramenta sim, de alfabetização e formação desses alunos mais também como entretenimento para que os filmes nacionais sejam experimentados e vistos com o conceito de entretenimento e diversão. Uma coisa prazerosa, completa Thiago.
Dentro deste mundo escolar, temos também o Projeto Diálogos com o Cinema, que acontece quinzenalmente e é voltado para diretores e professores da rede pública. Neste projeto, trazemos diretores, produtores, atores e outros profissionais do mercado cinematográfico para discutirem com a platéia. Neste projeto, a idéia é priorizar os professores para que estes se voltem com conteúdo para seus alunos e assim possam ajudá-los ainda mais em sua formação. Priorizar os professores foi uma necessidade que fomos identificando ao longo do tempo, afirma Thiago. Vimos que não era propriamente o aluno que também precisava de formação. Era mais básico ainda: o professor também precisava. E daí, começamos a desenvolver alguns projetos também para eles pois percebemos que não eram somente os alunos que não liam e não assistiam filmes: os professores também não. Inclusive, devido o acesso a internet e com isso sites de entretenimento, redes sociais, canais web etc, o aluno está mais interado do que o professor. E isto de certa forma, acaba gerando um conflito de gerações e conhecimento, dentro das salas de aula. Aí, dentro deste projeto do Diálogos com o Cinema, criamos um subprojeto que é o Desenrola Professor, onde a idéia foi quebrar um pouco estas barreiras de gerações dentro das salas de aula e também a barreira na formação do professor. Mesmo que este tenha acabado de sair da universidade, ele, assim como todos os universitários, passam por um processo acadêmico clássico. É claro que o ensino vai se atualizando. O que quero dizer com clássico, é que por mais atualizada que seja a didática acadêmica, ela não tem como instruir os universitários com tudo que acontece no mundo virtual e com todos os aspectos culturais e sociais. Então, a necessidade de realizarmos estes dois projetos voltados para o professor. Com eles, colaboramos com os professores na formação cultural de seus alunos, finaliza Thiago.
Outro projeto muito bacana e importante é o Projeto Dialogay, que consiste em exibições mensais de filmes com a temática LGBT+, essencialmente brasileiros. Após as exibições de cada filme, atores, diretores, produtores da obra exibida ou especialistas sobre o assunto apresentado na trama, são convidados a realizar um debate com a platéia. Neste debate, não são discutidos e abordados somente assuntos relacionados a cinema. Também se debate muito a questão social e humana, referente ao universo LGBT+, dentro da sociedade. É debatido um conceito de valores que expande a participação deles como cidadãos. Fala-se muito em integração em todos os setores e aspectos sociais, e isto contribui muito para com a auto-estima deles, além de fazer enxergarem que é possível e muito importante a participação deles, relata Thiago.Temos também outros projetos que continuam funcionando e gerando resultados socioculturais muito positivos.
Perguntamos se qualquer um poderia agendar determinado grupo de pessoas para assistirem um filme gratuito e Thiago nos respondeu que sim: Estamos abertos a qualquer grupo ou Instituição que realiza trabalho social em qualquer lugar ou área. É só entrarem em contato conosco. Não oferecemos burocracias para isto. Apenas um documento que comprove que exista o trabalho realizado, de fato.
O criador e Diretor Executivo do Projeto Ponto Cine, Adailtom Medeiros, define o conceito de modelo de negócio que ganha dinheiro dando seus serviços e produtos de graça porque grande parte dos ingressos o cliente não paga: escolas públicas e grupos beneficiados por outros projetos sociais. E os que pagam, ainda pagam pelos ingressos mais baratos da cidade, comentou Thiago.
Curiosos em saber porque havia uma pequena biblioteca na entrada do cinema, Thiago nos respondeu que era oriundo de um dos projetos oferecidos – quando o designer gráfico Guilherme Rocha fez questão de frisar que todos os livros eram retirados pelo público local e entregues dentro do prazo em bom estado. Acho importante citar isto, pois ainda há um certo preconceito com pessoas do subúrbio. Ainda existe uma visão de que o suburbano é descuidado, digamos assim. Aqui, eles tomam contam, preservam e respeitam todos os livros que eles locam. Devolvem no prazo certo e cuidam dos livros para que outros usufruam igualmente, se orgulha Guilherme.
Um trabalho de 11 anos que conseguiu atrair os olhares das páginas culturais da mídia. O bairro, assim como toda cidade do Rio de Janeiro independente de ser zona norte, sul ou oeste, vem enfrentando um problema seríssimo devido o alto índice de violência: a deserção popular. Por causa dos altos índices de assaltos e homicídios as pessoas evitam sair de suas casas e assim vai virando uma bola de neve. Se não tem muita gente na rua o comércio fica vazio. Se fica vazio fecha mais cedo ou nem abre mais. Se tem comércio fechado, diminui o fluxo e o número de transporte. Ou seja, uma coisa afeta outra. E com o Ponto Cine não haveria de ser diferente. Hoje, não recebemos nem a metade do público que recebíamos há uns três anos atrás. Nem pagante e não pagante, conta Thiago. É uma pena…. Mas, continuamos com todas as nossas atividades. Tivemos que adaptar nossos horários e dias de funcionamento. Muitos alunos vinham para cá a pé, pois tem muita escola aqui por perto. Agora, isto não é mais possível uma vez que os professores não podem arriscar, pois infelizmente tiroteios acontecem com freqüência. E para não deixarmos estes alunos sem vivenciar e experimentar a atmosfera cinematográfica, nós estamos promovendo uma campanha de financiamento coletivo, até o dia 10/11, para arrecadarmos dinheiro e podermos locar ônibus e assim trazer os alunos para assistirem os filmes. O que pudermos fazer para continuar com o mesmo ritmo e propósito, nós iremos fazer, finaliza Thiago.
Um modelo de negócio que oferta acesso gratuito à cultura, forma opinião, proporciona inclusão e formação cultural e educacional, e que ainda é um exemplo não só como contribuinte do desenvolvimento sócio cultural como também do fomento ao cinema nacional.
Um ponto é tudo o que precisamos! Assim podemos definir o Ponto Cine.
Serviços:
O Ponto Cine fica localizado na Estr. do Gamboatá, 2.300, Shopping Guadalupe, Rio de Janeiro.
Funciona de terça a sábado , dás 10h ás 18h
Ingressos R$ 8,00 inteira e R$ 4,00 meia entrada, todos os dias de funcionamento.
Informações completa sobre o Ponto Cine no site