Por Jaqueline Stori – 27/08/2020
Uma das muitas funções da arte é a capacidade de desafiar funções e consensos. No campo das artes, artistas agem de acordo com sua natureza e influência cultural. Nas artes visuais há muitas criações e produções artísticas que alcançam e excedem o entendimento lógico e racional, porém, independente da interpretação e do gostar de cada um, é inegável que a arte passe indiferente ao sensorial humano.
Dentro do contexto do mundo racional e imaginário da arte, além dos artistas criadores de suas obras, há profissionais envolvidos que podemos afirmar fazer uma ponte entre o universo artístico real e irreal à realidade social, cultural, intelectual e emocional do expectador. Entre estes, um, de papel não mais importante, mas sim, primordial na ajuda do diálogo entre o mundo artístico particular de cada artista para com a sociedade tanto no coletivo como no individual: o papel do curador.
O curador é aquele que para exercer esta função tão importante, obrigatoriamente tem de ser um exímio estudioso e pesquisador das artes. Tais pesquisas e estudos são necessários à percepção e interpretação de uma obra, dentro do conceito e da estética não só do artista que criou, como também das manifestações sócio-culturais que sempre estão se modificando e se transformando com a passagem do tempo.
Em princípio, numa breve e remota análise, muitos acham que o curador precisa somente ler e pesquisar, para que atenda a demanda conceitual de determinada obra. No entanto, tais pesquisas e estudos acadêmicos, servem como um fio condutor “um guia”, digamos assim, para que este possa fazer e estabelecer a relação entre presente, passado e futuro dentro dos contextos históricos. A coisa é bem mais complexa do que se imagina, por isso a função da curadoria é necessária para desvendar certas incógnitas que estão por traz do conceito de determinadas obras artísticas e também para dar vozes a elas em seus respectivos aspectos e particularidades. É uma figura-chave na criação do conceito, montagem e todo resultado final de uma Exposição de obras de arte.
Para chegar a exercer a função da curadoria, não necessariamente precisa ter formação acadêmica em história da arte ou outras cadeiras relacionadas às artes. Mas, é imprescindível, que o curador tenha profundo conhecimento e apreço pelo campo artístico.
E sobre formação acadêmica, apreço pelas artes e profundo conhecimento, que a Viva Cultura! vai apresentar para vocês um dos grandes nomes da curadoria de São Paulo e do Brasil, Oscar D’Ambrósio.
O curador é jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e InglEs) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Nasceu na Argentina, mas mudou-se com sua família para o Brasil com 6 anos de idade. Filho de família de classe média, com pai economista e mãe professora de educação física, Oscar D’Ambrósio diz ter tido uma educação fomentada para a cultura, incentivado a apreciar às artes, à visitações a lugares culturais e ao consumo das artes.
Por influência de sua mãe também praticava esportes e participava de muitas competições através dele. Com isso, Oscar D’Ambrósio viajou muito pelo Brasil e pelo exterior, tendo a oportunidade através das viagens, de conhecer culturas diferentes: sempre quando a equipe tinha um tempo disponível para passear pelas cidades, elas iam para lojas de material esportivo e eu ia para os Museus. A Espanha e a Itália, onde conheci na adolescência por causa das viagens esportivas, muito me enriqueceu culturalmente, aguçando e aprimorando minha apreciação e conhecimento pela arte, contou ele.
Na adolescência também chegava o momento de prestar vestibular e ele que até então havia escolhido optar pela cadeira de educação física, acabou optando por comunicação em cima da hora, devido na época ter escrito um texto para coluna de leitores do Jornal da Tarde, onde pegou-se surpreso em ver seu texto publicado. Ver sua assinatura em um jornal, entusiasmou-o ao ponto de trocar a educação física pelo jornalismo. Começou seu curso de Jornalismo na USP no período da manhã e paralelamente iniciou também o curso de Letras na Mackenzie, à tarde.
No seu último ano de faculdade começou a trabalhar como resenhista de livros no Jornal da Tarde. Esta fase perdurou até o ano de 1999, onde também trabalhava como repórter da Universidade Estadual Paulista (USP). Por entre trabalhos e atividades diversas como jornalista, conheceu o grande artista visual e um dos maiores nomes da pintura Naif no Brasil e no mundo, Waldomiro de Deus, onde numa reunião com duração de seis horas de conversa entre os dois, Waldomiro o escolheu como o profissional exato para escrever sua biografia. E assim foi feito. Oscar D’Ambrósio para escrever sobre a arte e vida do artista Waldomiro de Deus, mergulhou fundo no universo Naif, através de estudos, pesquisas e contatos não só com Waldomiro, mas também com outros artista visuais Naifs.
Missão que iniciou em 1999, termina em 2000 com o lançamento do livro “Os Pincéis De Deus: vida e obra do pintor naif Waldomiro de Deus”. Este trabalho ou missão (como denominou Oscar), culminou não somente no livro, mas também em uma experiência profissional muito enriquecedora, onde proporcionou para ele, a produção de pequenos textos sobre alguns artistas Naifs, resultando em um site onde publicou e continua publicando estes e outros textos. Como uma coisa vai puxando outra, de lá para cá, Oscar D’Ambrósio não parou mais com seu trabalho de estudos e pesquisas de arte, produzindo e publicando diversos textos e livros (em sua grande maioria sobre artista e arte naif), dando palestras e realizando trabalhos de curadoria, além dos trabalhos na área de comunicação.
Por sua dedicação e aprofundamento no universo das artes, em especial nas artes visuais e pintura Naif, Oscar D’Ambrósio tem um panorama bem diversificado à respeito das diversas e diferentes linguagens artísticas visuais e suas épocas, chegando aos dias atuais.
Quando perguntado sobre a questão da arte Naif ainda não ter a mesma visibilidade no cenário artístico visual que os outros gêneros das artes plásticas, e sofrer “certo preconceito” por parte da academia no que diz respeito ao seu conceito e artistas, Oscar D’Ambrósio respondeu que acredita que esta pouca visibilidade, espaço e “preconceito”, generaliza-ze pelo fato da maioria dos artistas Naifs serem na maioria de origem bem humilde, analfabetos funcionais e como conseqüência não terem condições de acesso aos caminhos das técnicas e estudos sobre arte, onde tais ferramentas trazem conhecimento e abrem um leque para expansão de criação e desenvolvimento das variadas linguagens artísticas. Porém, Oscar D’Ambrósio afirma que isto vem mudando não só no Brasil como também em todo o mundo. Aliás, no cenário internacional, a arte Naif, já vem se consolidando e se auto-afirmando. Principalmente no exterior onde este gênero vem ganhando visibilidade como os demais, afirmou.
Sobre o papel e o impacto da curadoria nas artes visuais, Oscar D’Ambrósio disse achar que parte dos anos 80 e 90, a curadoria ganhou um papel desmedido, porque curadores naquela época eram praticamente ditadores exercendo uma força, um vigor determinante sobre a obra dos artistas, não funcionando como um trabalho coletivo: hoje, esta tendência esta sendo revertida, Porém, também estamos vendo uma inversão onde alguns artistas não ouvem ninguém, se arvorando em querer a verdade absoluta. E isso é um perigo para a democracia da arte. O melhor caminho é o diálogo entre quem faz a arte e entre quem pensa arte, que organiza arte. Esta mecânica precisa ser mais equilibrada entre os dois. Tudo ficando com o artista fica uma visão só do artista. E tudo ficando só com o curador fica uma visão mais acadêmica, mais fria, mais distante. Para mim o papel do curador é principalmente servir à arte. Então, um ponto de equilíbrio é o mais adequado, afirmou ele.
Em relação às artes em geral, Oscar D’Ambrósio acha que estas perderam seu papel social na década de 70: O teatro por exemplo, tinha um papel de revolta, de rebeldia. As artes visuais de certa maneira também embarcavam nesta perspectiva de alterar o mundo e transformar a sociedade. Em 2020 este papel da arte se perdeu totalmente. A arte não transforma. A arte hoje, existe! Ela é uma necessidade interior, afirmou ele.
Oscar D’Ambrósio costuma dizer que para ele a arte surge de duas vertentes: a primeira vertente é a relação que o artista tem com o mundo. O artista olha para o mundo, vê que o mundo não é exatamente como ele gostaria que fosse, e dá um desconforto com isso. E essa diferença entre o que o artista gostaria que o mundo fosse para o que de fato o mundo é, motiva o artista a criar. E a segunda vertente, é a relação que o artista tem com si mesmo. Há também um desconforto porque ele quer fazer algo, mas o que ele faz não é exatamente aquele algo que ele gostaria de fazer. Portanto, há uma diferença entre estes desconfortos. E o cruzamento desses desconfortos é de onde me parece surgir a arte. Então, o papel social do artista hoje me parece limitado justamente à estas duas facetas, disse ele.
E como a arte nunca para e sempre encontra atalhos para continuar se auto-expressando, os artistas e profissionais diretos e indiretos relacionados à este infinito universo de possibilidades racionais, emocionais e sensoriais, estão se desdobrando como podem para dar continuidade aos segmentados trabalhos neste período de pandemia global. Certamente que o veículo mais utilizado em tempos de pandemia, é a internet. Através das diversas ferramentas disponíveis, artistas e profissionais vão encontrando meios de se comunicarem e se relacionarem com o público. Oscar D’Ambrósio que tem ligação profissional e pessoal intrínseca com as artes visuais, logo no início da pandemia, criou o Projeto online Arte Em Tempo De Coronavírus, uma ação em que o curador divulga obras de artistas visuais brasileiros em sua rede social Instagram. A ação já alcançou 600 postagens até o momento. Todas as obras são inspiradas em temáticas ligadas ao covid-19 e ao momento atual. Com este Projeto, podemos conferir de que forma e maneira as questões sociais interferem em nossos pensamentos e comportamentos, e como isso reflete na arte. Através deste projeto, o curador não só consegue dar voz à arte visual brasileira, como também estabelece a ligação da mesma com o público, através de uma rica Exposição online, acompanhada por seus excelentes textos críticos e informativos que facilitam o entendimento conceitual, contextual e estético sobre as obras expostas, estreitando assim o elo entre a arte e o expectador.
Viva Cultura!: Oscar, muito obrigada pela entrevista e pela oportunidade em podermos falar um pouco sobre seu importante trabalho para a arte visual brasileira.
Oscar D’Ambrósio: Obrigada a Viva Cultura por divulgar e fomentar a arte nacional.
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SERVIÇOS:
Informações completas sobre o trabalho de Oscar D’Ambrósio no site:
** Sobre o Projeto online Arte Em Tempo De Coronavírus: Instagram @arteemtempodecoronavirus