Por Jaqueline Stori – 11/04/2018
Em seu ateliê localizado no Bairro do Engenho de Dentro (RJ), o artista plástico mineiro Heleno Bernardi, que recém acabou de realizar mais uma intervenção urbana nos escombros do antigo Cassino Da Urca, tem sua arte transitando por diversas linguagens como a fotografia, pintura, escultura e intervenções urbanas.
Ele que iniciou sua carreira no ano de 2000 e ganhou espaço e visibilidade no cenário das artes visuais à partir de 2004 através de uma Mostra Coletiva, diz que nestes últimos anos tem costurado essas linguagens que trabalha com a relação entre o corpo com a cidade.
Heleno inicia a conversa nos contando que algumas de suas obras (as mais antigas) não expressam essa relação como por exemplo a Série de Esculturas Cabeças de Sócrates e também a Série De Esculturas Masseter (nome referente a um dos principais músculos responsáveis pela mastigação), produzidas com goma de mascar já mastigadas, apesar delas estarem relacionadas com o próprio corpo e também com a fronteira entre escultura fotográfica e performance. Depois é que a cidade foi entrando no conceito da minha arte. Minhas pinturas por exemplo, tem relação com o movimento e com as diversas camadas de enfretamento que temos no dia a dia com a cidade. Seja de natureza física, emocional, psicológica, cultural etc. São esses enfretamentos que aparecem como motivação embora eles não sejam exatamente figurativos em relação a isso. É mais um campo de influência a relação com a cidade que não é representado exatamente nas minhas pinturas porém, transposto.
Heleno também refere-se a questão do deslocamento proporcionado pelas cidades, principalmente pelas Metrópoles: andar a pé, de transporte coletivo, bicicleta enfim, poder vivenciar as experiências promovidas pelo deslocamento. Como eu me desloco muito, eu reparo muito nas cenas urbanas, no cheiro, na organização… E isto, foi criando uma gramática muito rica para mim. Daí elas vão surgindo na minha arte.
Sobre a produção das esculturas de goma de mascar mastigadas, Heleno nos responde que foi um trabalho realizado inclusive para discutir justamente a questão do tempo, da permanência e da transitoriedade. O artista através destas esculturas revela a fragilidade que estas têm em se deteriorar de imediato devido o uso do material utilizado. Para passar o conceito estabelecido por estas esculturas o artista realizou uma Série Fotográfica deste trabalho. Minha intenção foi congelar este conceito através da fotografia, diz ele.
Ganhando cada vez mais espaço no cenário cultural contemporâneo, as intervenções urbanas trazem para o público e para a população local, experiências sensoriais e visuais a partir de conceitos, contextos e linguagens diversas, através do contato, do convívio e do emocional. Heleno fala que aprecia muito as intervenções urbanas mais prefere que estas estejam junto ao público por entre os espaços, sem serem anunciadas como tal. Prefere seu anonimato em meio à agitação dos grandes centros urbanos, pois acredita que assim, estas receberão um olhar descomprometido da obrigação e da apreciação às artes intervencionistas, só por serem artes ou intervenções propriamente.
Na Intervenção Enquanto As Horas Falam (2007), eu peguei a idéia do colchão que é um objeto muito pouco divido pelas pessoas por ser muito intimo delas, para tentar fazer a ligação do interior com o exterior. Algumas pessoas inclusive acabam fazendo da rua sua residência e principalmente nas grandes Metrópoles. E estas passam a ter uma certa invisibilidade. Elas podem até serem vistas óticamente, mas, como a vida se desenvolve ali, ficam um pouco à parte da sociedade. Então, tentar um pouco a proximidade dessas coisas: o interior com o exterior, a vida pública com a vida privada, principalmente usando a posição fetal dos colchões que é a nossa memória corporal mais antiga. Por diversas vezes, mediante algumas situações ou estado emocional retornamos à posição fetal. É uma posição que sempre se manifesta de maneira afetiva seja positiva ou negativamente, afirma Heleno.
Outras Intervenções urbanas desse artista é a Série Magma também iniciada no ano de 2007, que consiste em cobrir de purpurina demolições e escombros de casas, prédios e outras construções. A primeira intervenção da série foi no bairro da Tijuca (RJ), em um posto de gasolina desativado e literalmente desmoronado.
Heleno diz ter observado que estas demolições já estavam há anos nestes bairros e que elas vinham interferindo na organização urbana destes, além de atrair bichos, sujeira, falta de higiene e sensação de abandono e descaso. Uma situação altamente crítica, no meio de um tecido urbano altamente organizado. Daí, surge a idéia de contrapor algo à aquela brutalidade, a sujeira das pedras, dos ferros, tijolos. Algum elemento que pudesse trazer algum frescor e uma nova vida aqueles lugares. Por isto escolheu a purpurina para a Série Magma. Ela entra como elemento oposto, afirma ele.
E como é que esse pó (purpurina) se misturaria ao pó do cimento, da terra e do tempo e criaria uma outra percepção destes espaços?
A purpurina é brilhante, é usada no carnaval, na maquiagem e passa a idéia de luxo, da riqueza da prata e do ouro, do glamour, principalmente no carnaval. Ela tem esse conceito glamouroso, porém sabemos que ela está exercendo um falso papel ali, em simular a riqueza, o luxo e o glamour. Ao mesmo tempo a purpurina é uma transformação meio que inócua, pois ela cria uma imagem diferente sem resolver nada. Os escombros continuam ali por baixo e com o tempo ela vai se misturando e se acabando com eles. Ela vai saindo e revelando o verdadeiro cenário.
E foi justamente essas duas coisas que quis juntar: um estado totalmente sujo, bruto e precário, com um material leve, brilhante, glamouroso que sugere riqueza e que ao mesmo tempo tem uma materialidade muito próxima à isso já que ela é um pó. E, na verdade, o meu conceito era não trabalhar com a purpurina simulando o ouro mais sim com a potência da purpurina enquanto material mesmo. Toda potência que este material oferece neste tipo de intervenção, frisa Heleno.
A intervenção do posto de gasolina na Tijuca (a 1° da série) era uma construção recente e demolida, que eu usei o rosa por achar que seria uma cor que mais se destacaria ali, ao entorno. Porém, as intervenções no Morro da Conceição (2°da série) e no Cassino da Urca (3° da série), “tive” que optar pelo dourado, devido a relevância histórica, social e cultural destes dois lugares.
Neste último, assim como na Intervenção do Morro da Conceição, voltei com a cor dourada, pela história de glamour da Cassino, da extinta TV Tupi… Tentei criar uma nova vida ali buscando os fantasmas adormecidos do local, que tem uma história muito rica naquele espaço.
Foi um Hotel Balneário, depois um cassino e enquanto cassino, passaram por ali muitos artistas internacionais como Glenn Miller, Josephine Backer e tantos outros que vinham dos EUA e da Europa e usavam o Rio como rota para Buenos Aires fazendo escala aqui. Com o inicio da segunda guerra este trânsito diminuiu muito, pois atravessar o Atlântico em época de guerra tornou-se perigoso. Por outro lado, tiveram que começar a dar mais ênfase aos artistas brasileiros vindos do rádio como Aaulfo Alves, Emilinha Borba, Carmem Miranda que ali se apresentou por 4 anos consecutivos, antes de morar nos EUA. Então, foi realmente uma época de glamour na cidade, atesta Heleno.
Após isto, a entrada da hoje extinta Tv Tupi na década de 50, com seus diversos programas que inclusive fizeram quase toda a musica popular brasileira da época até inicio da década de 80. Para mim, intervir com o dourado ali, era uma maneira de tentar trazer e fazer com que aquele palco voltasse a pulsar novamente. E, claro, falando sim de dinheiro de riqueza e dos jogos escusos que acontecem em todos os cassinos do mundo. Quem aposta? Para onde vai esse dinheiro? Fica a pergunta. Então, apesar de num primeiro momento eu querer intervir com a purpurina, devido sua potência material para este tipo de intervenção, vi a necessidade de unificação entre este material, a cor a ser utilizada e a referência social, cultural, histórica e urbana do contexto das demolições e seus escombros (sorrisos…).
Terminando esta entrevista perguntamos ao artista como ele define a arte: é sempre um pouco do espelho de quem está fazendo, respondeu ele.
Viva Cultura: Heleno, muito obrigada por nos receber em seu ateliê! A entrevista foi muito rica e prazerosa! Sucesso!!
Heleno Bernardi: Obrigado a Viva Cultura pela entrevista e por contribuir com a difusão da arte.
NOTA: As imagens da presente matéria que não contêm autoria da fotógrafa Iana São José, foram retiradas do site do artita.
Para conhecer tudo sobre as obras e carreira de Heleno Bernardi em:
www.facebook.com/helenobernardi
@heleno.bernardi