Por Jaqueline Stori – 22/09/2018
A artista plástica Lynn Court, conhecida como Nóia (nome artístico), nasceu e vive no Rio de Janeiro. Nóia, em entrevista à Viva Cultura nos contou um pouco sobre sua arte, suas fases artísticas e o porquê seu fascínio sobre o os olhares humanos e seus mistérios.
O trabalho da artista permeia entre o figurativo e o abstrato, passeando pela grafitagem, colagem, pintura e desenho. Característica marcante em suas obras, o rosto e os olhos se fazem presente em quase todos os seus trabalhos com o conceito da desconstrução para revelar algo incógnito ou imperceptível aos olhos em um primeiro momento de contemplação, porém, mais tarde, levado pelo instinto e sentimento o espectador compreende e percebe o sentido desta incógnita, ou talvez não.
Hoje, em uma nova fase por causa da maternidade, a artista conta que sua gravidez a fez passar por um período de reclusão e que isto fez com que mergulhasse profundamente em seu interior onde através da auto análise e reflexão, começou a produzir muitos rostos. Fiz a Série Um Quarto, por ser um quarto de tudo que eu estava vivendo e sentindo. Então, eu sentia que em cada um daqueles rostos eu estava presente de alguma maneira, diz Nóia.
O fascínio por rostos e olhares humanos vem desde sua infância, por volta dos cinco anos de idade. A artista conta que sua mãe trabalhava no mercado da moda e por esta razão possuía inúmeras revistas deste segmento. Por serem revistas de moda traziam diversos rostos em uma proporção muito grande e os rostos femininos eram superiores ao masculino em quantidade. Talvez seja por isso que minhas obras carreguem somente olhares e rostos femininos: eu pegava estas revistas, desenhava em cima dos rostos das modelos, cortava e colava da forma que eu queria e como eu imaginava, afirma Nóia. Mas, em sua época de adolescência havia uma efervescência muito forte da arte urbana aqui no Rio de Janeiro. O cenário cultural desta época voltava seus olhares e mobilizava a sociedade para a arte grafite. Muitos artistas vistos como pixadores foram ganhando espaço e respeito por conta do boom inicial do movimento. Foram surgindo vários novos artistas, outros vários revelados, outros com a vontade de se aperfeiçoar na arte grafite e Nóia, que através de um amigo artista grafiteiro que viu seus desenhos e a levou para as ruas para acompanhar ele e outros artistas em prol das produções em larga escala feitas em muros urbanos. Vendo e observando o trabalho do grupo a artista aprendeu arte grafite e se identificou com a estética e o conceito psicodélico, passando a incluí-lo em suas criações e pinturas principalmente no grafite.
Com o passar do tempo suas memórias infantis vivas em seu interior voltam à tona e fazem a artista retomar suas colagens, pinturas, desenhos, rostos e olhares desconstruídos, só que agora com bases mais sólidas e conceituais e uma pitada de sarcasmo referente a algumas questões como a política, por exemplo. Eu gosto de tirar sarro de certas situações: faz parte da minha personalidade e eu exponho isso na minha arte, declara Nóia.
Os diversos olhares desconstruídos e reconstruídos pela artista nos leva a questionar sobre o que somos e quem somos, na verdade? Será que temos vários lados? Será que sabemos lidar com nossos instintos e sentimentos? Será que somos bons? Será que somos maus? Será que sabemos dosar nosso equilíbrio e desequilíbrio? Enfim, existem várias questões por traz de um único olhar inclusive quando se contempla uma obra de arte e quando esta passa estranheza para as pessoas, despertando múltiplos sentimentos transmitidos pelo olhar. Para a artista, os olhos dizem tudo: As vezes a pessoa faz um desenho que só os olhos já são o suficiente para dizer ou expressar algo. Tenho trabalhos que só tem um olho e tem trabalhos que tem dez olhos. Uma única pessoa têm vários olhares … O olho para mim é o que diz tudo numa personalidade. É o primeiro a expressar nosso estado emocional, nossa dor física, nosso desgaste… Tudo, acrescenta Nóia.
E por entre tantos olhares, mistérios e clarezas que estão por trás deles a artista iniciou uma nova Série de trabalho com máscaras, intitulada Baile de Máscaras. Nesta Série, Nóia foi fundo em suas pesquisas na história das máscaras. Seu enredo, seu conceito, seu contexto, sua relação com festas sociais, culturais, folclóricas, religiosas etc. É muito interessante quando vamos até a História da Arte e vemos a história da máscara. As máscaras têm um viés político assim como para mim a arte consciente ou inconsciente também tem, diz a artista. Eu quis colocar nas máscaras dessa Série uma mensagem subliminar, discreta de que nos rostos delas tem algum político. Uma coisa que o observador precisa até de certo tempo para perceber o que está por trás daquelas coisas. No fundo, uma brincadeira com uma crítica irônica sobre o que acontece com nossa política e políticos, explica Nóia.
A artista que sempre produziu máscaras, conta que no atual momento estas estão muito nítidas para ela como objeto, sendo mais que uma tela. Para a produção da Série Baile de Máscaras, ela conta que tem uma base pintada e por cima desta começa a inserir muitas camadas de tirinhas de diferentes rostos em diversas alturas de pele, de boca e de olhos e também tirinhas de espelho para que o espectador ao olhar a máscara de frente se veja dentro dela. São várias conexões dos milhares de olhares de um só olhar. De como de dentro de um de nós, existem vários nós! Tem também essa provocação de que está tudo dentro dessa máscara: não só o mascarado, mas você também está nela, explica Nóia.
Embora eu tenha criado esta série direcionada aos políticos que é um dos núcleos da sociedade que mais usam máscaras, elas também servem para muitas pessoas ou para todos de alguma forma inconsciente: alguns nem têm consciência que mascaram a si mesmos ou mascaram algo. Acho que as máscaras vão muito a fundo no conceito do que está por trás delas. Agora, nesse meu recente trabalho, elas têm o formato de rosto em tamanhos variados. Gostaria muito que houvesse uma intervenção urbana com minhas máscaras. Mas, uma intervenção com as pessoas usando elas e caminhando nas ruas. Juntando os olhares das máscaras, os olhares por de trás das máscaras e os olhares que olham e observam as máscaras. Seria maravilhoso! Espero muito que aconteça, encerra Nóia.
Viva Cultura: Nóia, obrigada pela entrevista e pela oportunidade em apresentarmos um trabalho tão abrangente e diferenciado em vários aspectos.
Nóia: Obrigada a Viva Cultura por ser divulgadora da arte e da cultura.
Informações sobre as obras da artista em Instagram:
@noia_art
NOTA: imagens cedidas pela artista plástica Lynn Court.