Por Jaqueline Stori – 21/02/2020
Os elementos e o cotidiano do mundo urbano sempre serviram como fonte de inspiração para as artes plásticas. Vários artistas do mundo inteiro (independente da época), fizeram e continuam fazendo uso de tais elementos na criação de suas obras. Seja dentro do contexto urbano real ou dentro de um contexto fictício, a inspiração oferecida pelo mundo urbano, insere-se dentro do conceito artístico-sócio-cultural. O que este universo oferece, denuncia, fala, instiga, comove, apavora e apresenta, são os denominadores primordiais à diversos segmentos de criação não só no campo das artes em todos os seus gêneros, mas também na arquitetura.
Os diferentes centros urbanos e suas metrópoles, revelam suas sociedades, comportamentos, estilos de vida e experiências. A diversidade urbana é de fato uma unidade interminável de idéias. Justamente por isso, que a arte encontra-se nela e ela encontra-se na arte: por ser uma unidade! Cada gênero artístico, cada linguagem, cada artista ou cada um de nós, expressa o que acha, o que vê e o que sente, de formas diferentes: algumas expressões são mais profundas e talvez por este motivo carreguem mais complexidade. Outras, mais diretas e rasas, já oferecem e já expressam de cara o que querem ou o que precisa ser dito e mostrado porque sabem que a ação do tempo tem o poder da renovação e de iniciar novos ciclos que irão modificar a paisagem e o comportamento social urbano.
E nesta conjunção, apresentamos para vocês a arte de Carolina Pereira Soares nascida e residente na cidade de Belo Horizonte no Estado de Minas Gerais, conhecida no cenário artístico como Carol Peso, mestra em arquitetura e artista visual. Uma artista que trabalha e desenvolve sua linha de pesquisa artística dentro de um conceito urbano, onde apresenta em suas obras um conjunto estético de linhas, curvas, formas geométricas, elementos públicos de uso coletivo presentes nas ruas, e a relação entre memória e espacialidade. Uma arte que explora muito bem a harmonia de cores quentes e sóbrias com a paisagem e o elemento urbano.
Viva Cultura!: A partir de qual idade iniciou-se nas artes visuais e por quê?
Carol Peso: Gosto de desenhar desde que me entendo por gente. Isso sempre me acompanhou. Os temas é que variavam, dependendo das fases da vida… Mas desenhar e colorir estavam dentre as minhas ocupações preferidas.
Na adolescência tive a oportunidade de frequentar alguns cursos livres de arte, e isso foi um divisor de águas pra mim. Através deles fui apresentada a um desenho mais técnico, com a leveza da mão, as hachuras, os diferentes grafites, o carvão, o pastel… Mas o que mais me seduziu foi conhecer a pintura, que na época era a óleo (atualmente uso tinta acrílica). Frequentei esses cursos por um ano mais ou menos, mas continuei pintando e desenhando sempre.
Viva Cultura:! Em suas obras percebemos o uso de elementos da paisagem urbana e tais elementos remetem a aviso, informação de perigo, cautela, como placas, de trânsito, faixas de pedestres, sinaleiros. Qual a relação do conceito desses elementos com a sua arte? O que intenciona passar para o público?
Carol Peso: Gosto muito de perceber a cidade. Meus olhos ficam passeando pelos seus detalhes. E os elementos, meio que coadjuvantes da paisagem urbana, sempre despertaram meu interesse: a tampa do bueiro, o desenho da lixeira, o portão desalinhado, as linhas que a fiação elétrica desenha no céu, a geometria gasta das faixas de pedestres, e por aí vai. A lista é infinita!
Essas figuras foram então surgindo na minha pintura, meio que naturalmente. Só depois é que comecei a me questionar sobre o que me atraía para elas… Me dei conta, então, de que esses elementos passam geralmente despercebidos das pessoas porque são corriqueiros demais. São excessivamente familiares… Mas justamente por impregnarem o nosso cotidiano a ponto de se torarem quase invisíveis, é que são tão potentes! Afinal, aquilo que nos escapa à atenção, à consciência, tem um papel meio que constitutivo na nossa identidade.
Acho que é isso que me interessou retratar! Queriacomo que desvelar esse anonimato das coisas! Trazer esses fragmentos de volta à vista, como as linhas de uma tessitura invisível das nossas cidades.
Viva Cultura!: Vemos que faz uso de uma paleta de cores diversificada. Mas, na série INsignicâncias, vemos uma predominância do cinza e do azul em comunhão com elementos como faixas de pedestres e fios de alta tensão. Qual a relação das cores e destes elementos com o conceito da série?
Carol Peso: Nas pinturas me inspiro, invariavelmente, em alguma fotografia. Hoje em dia o celular facilita muito a captação de imagens que me servem como inspiração. Sou meio andarilha, adoro perambular pelos bairros quando sobra algum tempinho. E nisso, vou captando muitos temas para futuros trabalhos…
Inicialmente me interessava uma abordagem mais realista com os pincéis. E assim foi ganhando corpo a série de trabalhos que denominei INsignificâncias, com essa grafia mesmo. Essas pinturas acabaram assumindo uma paleta mais sóbria, um pouco devido ao tratamento mais realista, mas claro que havia implicações subjetivas nisso também…
Mas a minha relação com a cor mudou muito desde então. Atualmente ela é muito mais intuitiva! Nos meus trabalhos mais recentes, as tonalidade ganharam muito mais autonomia em relação ao real. Hoje em dia, inicio um trabalho mas não sei como ele vai se resolver, sabe? Não controlo muito o processo, e isso vai dependendo bastante da relação que as cores vão estabelecer entre si na tela. É uma verdadeira mágica o que acontece…uma alquimia visual. A cor é uma na paleta e outra na tela, na sua relação com as demais. Adoro isso!
Viva Cultura!: Quais técnicas você utiliza?
Carol Peso: A técnica principal é pintura acrílica sobre tela. Mas faço uso também de lápis grafite, lápis de cor, nanquim, elementos pontudos ou afiados pra arranhar a tinta, lixas, espessantes…
Viva Cultura!: Na sua Exposição individual, quantas obras inéditas e quantas no total?
Carol Peso:Na minha Exposição Sobre o Nada Eu Tenho Profundidades, que ocorreu na Galeria de Arte Gustavo Capanema (Rua Rodrigues Caldas, 30, BH/MG) em março deste ano, expus 16 pinturas, sendo 10 delas inéditas.
Viva Cultura!: Sobre a Exposição, o que pretende oferecer ao publico?
Carol Peso: A Exposição Sobre o Nada Eu Tenho Profundidades apresentou parte dos resultados dessa pesquisa estética que venho desenvolvendo, e que toca na relação entre identidade e espacialidade. Ela ofereceu, assim, um pouco dessa investigação sobre os elementos circunstanciais, corriqueiros e familiares na visualidade urbana.
As pinturas expostas fazem um elogio a essas imagens quase invisíveis na paisagem de nossas cidades. É justamente essa invisibilidade, fruto de uma excessiva familiaridade com as coisas, que me interessa. Entendo que nisto reside a potência dessas imagens como constituidoras de nossos suportes de memória espacial e, por causa disso, de nossa identidade como citadinos. Meu interesse se aproxima assim daquilo que Foucault chamou de diagnosticienduprésent: quem busca fazer aparecer o que é tão próximo, tão imediato e tão intimamente ligado a nós, que por isso mesmo nós não o vemos.
Minha abordagem, contudo, não é realista. Nas telas mimetizo e reelaboro esses elementos em novas narrativas visuais. Alterno, assim, o traço realista às pinceladas por vezes ficcionais e registro, nesses tons, objetos entrecortados do corriqueiro. Neste contexto, minha produção culmina em pinturas que oscilam entre a representação – por assim dizer fotográfica – desses fragmentos de paisagem, e o desejo de desconstrução, formal e cromática, das imagens representadas.
Viva Cultura!: Sobre sua arte, em geral, como você a vê e classifica?
Carol Peso: As exposições são ótimas oportunidades pra se ter um retorno crítico sobre a nossa produção. E venho percebendo que meu trabalho tem conversado bem com artistas envolvidos com a temática urbana, que elaboram uma reflexão sobre o que é viver nas cidades.
Mas a minha produção dialoga muito também com o pensamento sobre a Pintura como forma de expressão, sobre os seus processos, as suas potencialidades contemporâneas… Tenho uma coleção de pintores prediletos, nos quais percebo essa mesma inquietação.
E isso se reflete no meu trabalho… Muita gente comenta que a minha pintura ganha em complexidade à medida em que é vista mais de perto. É como se ela pudesse ser experimentada em camadas de sentidos. A imagem figurativa vai cedendo lugar a abstrações quando o olho vai focando nos detalhes…E entendo que isso aconteça por conta do meu processo de pintura, em que exploro a justaposição de camadas, as falhas, os fragmentos de campos de cor, as ranhuras, as raspagens…
Então, entendo que a minha produção atual fala tanto da cidade, e de suas INsignicâncias, quanto da Pintura e de seus processos.
Viva Cultura!: Carol, muito obrigada pela entrevista e parabéns pelo seu belíssimo trabalho!
Carol Peso: Obrigada a Viva Cultura Revista Digital por divulgar e fomentar a arte visual brasileira.
NOTA:
*Esta entrevista foi realizada antes do surgimento da pandemia e por isso a mesma refere-se a Exposição Individual da artista. Infelizmente, a Exposição foi interrompida uma semana após esta entrevista. No entanto, a redação em acordo com a artista, resolveu manter informações sobre a Exposição Nada Eu Tenho Profundidades, por entendermos ser um trabalho recente e que certamente retornará ao circuito mineiro.
**Todas as imagens foram gentilmente cedidas por Carol Peso.