Por Redação – 23/09/2022
Descobertas em Paris, duas obras-primas de Di Cavalcanti vistas pela última vez em 1936, em Paris, serão exibidas em exposição no Rio de Janeiro, comemorativa dos 125 anos de seu nascimento
O POVO BRASILEIRO – TEMA FAVORITO DE DI CAVALCANTI
A exposição “Di Cavalcanti – 125 anos de nascimento” reúne um conjunto de aproximadamente 40 obras raras e extraordinárias do artista pertencentes a coleções particulares de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Fortaleza. “Uma exposição que mostra Di Cavalcanti na sua integridade – o autor de algumas das mais belas obras da arte brasileira”, destaca Denise Mattar, curadora da exposição
“Os trabalhos traçam um percurso de Di através de seu tema favorito, o povo brasileiro, proporcionando uma oportunidade única de ver algumas de suas obras-primas. Sua produção está inserida na história da arte brasileira, por mais de cinquenta anos, desdobrando-se em muitas facetas: ilustrador, desenhista, caricaturista, pintor e muralista. Seu trabalho não tem par entre os artistas plásticos do Primeiro Modernismo, sendo Di Cavalcanti o único deles a manter uma produção constante e expressiva até sua morte, em 1976”, explica a curadora.
Entre as obras apresentadas na exposição estão a pintura a óleo “Serenata” (1925), de 85 x 120cm. “Um trabalho icônico que prenuncia partidos estéticos adotados pelo artista para a criação dos painéis decorativos do Teatro João Caetano”, diz. “A cena tem como pano de fundo uma marinha com barcos a vela, mas se reporta à musicalidade dos morros cariocas, onde o pandeiro e o violão homenageiam uma mulher, cujas formas femininas são destacadas através de uma volumetria com influência da estética art déco. Já está presente a representação de tipos e cenas cariocas que iriam definir toda sua produção posterior”.
“Devaneio” (1927), óleo sobre tela, 99,5 x 156 cm, “também explora o volume das formas através do contraste entre superfícies planas de limites bem definidos e zonas esfumaçadas de onde a cor surge gradativamente a partir do branco, criando relevos espaciais e corporais”. “O título da obra se reafirma pela postura pensativa e um tanto melancólica da figura principal, uma mulher negra, perdida em sonhos, retratada ao lado de um barraco – tempo em que os morros se tornaram o berço do samba”, observa Denise Mattar.
Essa descoberta dos tipos brasileiros é vista ainda na obra “Três moças” (c.1925), na qual Di reproduz três mulheres: uma loira, uma morena e uma negra – esta última destacada por sua beleza.
O inédito painel “Carnaval” (década de 1920), 126 x 157 cm, “tem características que o situam na produção realizada entre os anos 1929 e 1931, quando a influência muralista toma ainda mais corpo na obra de Di”, comenta a curadora. “O parentesco com as obras desse momento é absoluto: pela volumetria, composição, características cromáticas e temáticas. O mural apresenta um grupo de homens vestidos como mulheres, preparando-se para o Carnaval. Não são figuras travestidas dentro do entendimento atual, pois os traços masculinos – pelos nas pernas e braços, bigodes e barbas – são evidentes e um tanto caricaturais. O grupo está reunido no alto de um morro, e, atrás das ondulações da paisagem, na linha do horizonte, está o mar. As cores são fortes e vibrantes, construídas em velaturas, criando profundidades e, acentuando a monumentalidade da cena. Di tem como proposta criar um muralismo inteiramente diverso do mexicano, que é marcadamente político, preferindo se debruçar sobre o aspecto humanista. Os sambas, morros, favelas e danças, que ele pinta são verdadeiros, quentes, amorosos e carnais — feitos de dentro. Sua obra tem, de fato, o cheiro, o sabor e a cor do Brasil”.
BAHIA
Em 1936, o artista se autoexilou em Paris, realizando nesse mesmo ano uma exposição na Galerie Rive Gauche, de 17 de junho a 3 de julho, reunindo 20 obras. Entre elas estava “Bahia” (1935), agora apresentada pela primeira vez ao público brasileiro. No prefácio do catálogo da mostra em Paris o crítico francês Benjamin Crémieux assim descrevia a pintura: “E vejam esta árvore amputada, que não renuncia a florir e continua de pé, uma sentinela diante da branca ‘Bahia de todos os santos’: sua casca é gêmea da pele das mulheres adormecidas. Fraternidade e luta amorosa do homem e do vegetal: todo o Brasil”.
Di permaneceu em Paris de 1936 a 1940, e durante esse período “o lirismo e a sensualidade langorosa tomaram conta das suas telas”. “É o momento no qual pintou mulheres olímpicas, quase clássicas, com toques picassianos, aos quais adicionou uma sensualidade tropical, mestiça, calorosa e maliciosa. São representantes desse momento as excepcionais obras “Vênus” (1938) e “Três Mulheres” (1938), que integram a exposição”, explica Denise Mattar.
Di pintou mulheres negras, brancas, ricas e pobres; morenas, loiras e ruivas, num clima lírico e sensual, ao qual sempre acrescentava um perfume de melancolia. Esse tema, da vida inteira, pode ser visto na exposição em telas que vão da década de 1940 à década de 1970, permitindo ao visitante acompanhar o percurso pictórico do artista, suas pesquisas estéticas, opções construtivas e afinidades eletivas.
A exposição apresenta ainda “Fantoches da Meia Noite”, álbum realizado por Di Cavalcanti em 1921. O conjunto de 16 gravuras, acompanhado de texto do poeta Ribeiro Couto, foi editado por Monteiro Lobato num álbum extremamente moderno para a época e de grande impacto até hoje. O lançamento foi realizado com uma exposição, na livraria O Livro, em São Paulo, um ponto de encontro da elite pensante da época, com a qual Di já articulava a ideia da Semana de Arte Moderna de 22, na qual ele teve um protagonismo frequentemente subavaliado pelos estudiosos.
SERVIÇO:
Exposição “Di Cavalcanti – 125 anos”
Entrada gratuita
Danielian Galeria, Gávea, Rio de Janeiro
Rua Major Rubens Vaz, 414, Gávea, Rio de Janeiro, CEP 22470-070
Fonte: ARTSOUL
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