Arte Visual

A natureza e o mundo urbano através dos olhos do artista visual Andre Crespo.

O artista Andre Crespo com Mural Berrini One.

Por Jaqueline Stori – 16/12/2021

 

Grandes e pequenas cidades carregam suas peculiaridades, mas também características em comum. Diversos agentes são determinantes para a construção social, arquitetônica, religiosa, cultural e econômica de cada uma delas, tendo como figura predominante o indivíduo, maior influenciador de tais características. Em todo o mundo os variados fatores que as diferentes sociedades compõem sempre foram e continuam sendo razão de estudos e pesquisas nas diversas áreas acadêmicas que também consideram os fatores climáticos, geográficos e ambientais como influenciadores preponderantes na construção das sociedades.

Devido ás experiências individuais e coletivas vividas nas cidades, o indivíduo em seu habitat, adquire valores, hábitos e costumes persuasivos que sugestionam formas comportamentais e que ao final da correnteza vamos percebendo a total confluência entre homem, natureza e cidade. Esta sinergia, ainda que muitos não percebam ou tentem ignorar, é o combustível para tudo que realizamos direta ou indiretamente, queiramos ou não. Uns se permitem viver mais enquanto outros se permitem menos. É fato que as experiências trocadas e compartilhadas dependem da intensidade e profundidade de cada um, de como interpretamos e enxergamos os fatos, as pessoas com as quais convivemos, as pessoas ao entorno, o nosso trabalho, a natureza e tudo mais que esta nos oferece benevolentemente. Enfim, é esta salada que turbina e serve de alimento à nossa alma, nossa mente e nosso corpo.

Obra “Kelly” , do artista Andre Crespo.

Dentro deste contexto, um dos setores que mais influencia coletiva e individualmente as diversas cidades existentes, é o setor artístico. Em suas múltiplas e diferentes linguagens, artistas da música, da escrita, do teatro, do cinema, do circo, do canto, das artes plásticas, da arquitetura e atualmente das artes digitais, manifestam suas experiências de vida, seus sonhos, desejos e também suas leituras sobre todo tipo de acontecimento. Essas manifestações artísticas quando chegam ao conhecimento do público impactam tal como os veículos de comunicação. Mais do que impactar elas geram outras reflexões que de certa forma também vão influenciar em seus hábitos e costumes, que automaticamente consciente ou inconscientemente, serão repassados ao coletivo que por sua vez devolve estes para o seu habitat, assim como funciona numa cadeia alimentar onde um alimenta o outro e os ciclos nunca se findam, mas sempre se renovam.

Neste ciclo infindável do qual fazemos parte, um artista visual que literalmente traz em suas obras a assinatura de suas experiências de vida e também de como ele enxerga o mundo. Estamos falando de um dos maiores artistas visuais brasileiros de sua geração, André Crespo Araújo, mais conhecido como André Crespo.

Este artista que nasceu, cresceu e viveu na cidade de São Paulo e atualmente reside na cidade de Piracaia (interior de São Paulo), começou nos contando que seu interesse pelas artes surgiu na infância, olhando as muitas revistas que havia em sua casa. Ele desenhava, rabiscava, pintava e via nestas revistas muitas ilustrações que hoje são vistas por ele como um tipo de pesquisa que fazia naquela época (sem ter conhecimento disso). Por ver as revistas percebia que seu interesse pelos desenhos e pinturas só fazia aumentar. Por volta de seus 11 anos, seus pais percebendo sua aptidão e interesse pelo desenho, matricularam-no num curso, onde neste adquiriu uma base para o exercício de seus desenhos. No curso, o artista pode aprender técnicas que até então desconhecia, como ponto de fuga, proporções entre outras. Tais técnicas só fizeram despertar ainda mais seu interesse pela arte: com o curso senti também que tinha um caminho a seguir, sem pensar em seguir profissionalmente. Era mais um caminho a seguir como um complemento para desenhar melhor, contou ele

Obra do artista Andre Crespo.

No tempo pós – curso fazia diversas atividades como pintar camisetas, posters e desenhos, com liberdade em se expressar como queria dentro dos limites deste universo que muito o agradava. Já na fase adulta cursou um ano e meio de publicidade na “Fundação Armando Álvares Penteado”. Por conta disto realizou vários trabalhos que não eram ligados a arte, mas que independente desta questão, via a arte ligada em quase todas as áreas ainda que implicitamente.

Em 2002 conheceu o artista Newton Mesquita e passou a ser seu assistente durante um bom período. Neste mesmo período teve um start: eu percebi que a arte não era só como prazer. Mais que isso, percebi que ela seria minha companheira como um caminho profissional onde eu poderia me entregar mais de corpo e alma e não só como um hobby prazeroso nas horas vagas. A partir daí resolvi dar uma virada na chave deixando para trás meus trabalhos e passei a me dedicar totalmente à arte, e como conseqüência, num modo mais profissional em trabalhar com ela, revelou o artista.

A verdade é que esta virada de chave que resolveu dar em sua vida profissional, dedicando-se integralmente a arte só veio somar às artes visuais e abrilhantar ainda mais o cenário artístico visual nacional. A arte de Andre Crespo mesmo tendo como temática o universo urbano de grandes metrópoles e a natureza (pintadas, desenhadas, fotografadas e interpretadas de diversas maneiras pelos milhares de artista que já se foram e outros milhares que estão aqui), carrega consigo determinadas peculiaridades devido sua estética que logo ao olharmos identificamos imediatamente o seu criador.

Obra do artista Andre Crespo.

O artista pinta a natureza e principalmente o mundo urbano. Entretanto, a temática de suas obras não é baseada somente no que estes dois universos distintos oferecem ao mesmo tempo enquanto fontes de criação e inspiração. Mais que isso, Andre Crespo tem uma relação afetiva com estes dois mundos, principalmente com o urbano, por vivenciá-lo e aproveitá-lo de todas as formas que lhe convém. Uma paixão oriunda de sua relação e de seu convívio íntimo com a cidade, que é muito explorada em sua arte. O artista sempre procurou usufruir de tudo o que os centros urbanos proporcionam em suas diferentes décadas até os dias atuais. Ele contou que desde sua infância mantêm esta relação, principalmente com sua cidade natal, lugar de maior referência e influência artística, cultural e social.

Traz em sua memória diversas vivências como andar de skate, andar de metrô, ir a feira, ir ao parque, jogar taco e futebol na rua, entre tantas outras coisas que grandes cidades nos permite viver. Além do convívio com este universo Andre Crespo é apaixonado pelo cenário urbano e toda sua dinâmica. Não é a toa que ele diz ser “por acaso” que suas pinturas referentes à cidade de São Paulo e de outros grandes centros urbanos, vão surgindo intuitivamente com uma técnica de apreciação e com desenvolvimento. Leva para dentro do seu ateliê suas experiências e também imagens que seus olhos vêem, diferentemente de registros: eu pinto o que eu vejo: os lugares para onde vou, os momentos vividos, a dinâmica dos lugares e outras coisas referentes. Meus quadros estão sempre representando algum momento que eu estou passando em minha vida, seja um novo endereço, um novo emprego, um passeio… Enfim, sempre relacionados ao meu dia-a-dia e aos meus passos, explicou ele.

O artista Andre Crespo concluindo uma de suas obras, em sua casa. Foto/Kelly Fuzaro.

Em 2013 mudou-se para Piracaia indo morar num sítio rodeado pela mata. A partir daí passou a ter um maior convívio com a natureza. Desse convívio assim como com o mundo urbano, passou a levar também para dentro do seu ateliê suas experiências em meio à natureza, encaradas por ele como uma provocação em interpretar esta natureza de acordo com que seus olhos vêem: para mim é mais difícil e complexo pintar a natureza! Mais que difícil, um desafio que me instiga entrar neste meio para contar uma história de natureza que não seja repetitiva ou que já tenha sido contada de uma forma nova. Eu ainda estou em busca de uma luz, de um contorno, de uma profundidade… Então, além da parte romântica (imagens, tons, cores, temperatura etc.), existe a busca da composição porque você está lhe dando com milhares de folhas e outras “coisinhas” onde não podem ser reproduzidas de uma forma fiel. Você tem que tentar uma linguagem para isso, explicou o artista.

Perguntado sobre sua linha de pesquisa, Andre Crespo contou que esta, está mais ligada à busca de algo desconhecido que ele acredita encontrar no percurso de seu trabalho como detalhes que ele acha não ser fácil de explicar, pois tem a ver com luz, cor, composição, personagem entre outros elementos. Já suas séries, seguem uma linha de pesquisa menos aberta a detalhes de construção, porém cada obra sua, mesmo fazendo parte de alguma série, traz consigo sua individualidade.

Obra “Riacho”, do artista Andre Crespo.

O artista revela criar obras cheias de significados, mistérios e possibilidades: tem um mundo inteiro sendo contado ali, muito discretamente. O semáforo num contexto urbano estando verde ou vermelho vai mudar um pouco a estória da leitura da obra: se ele está verde para o pedestre, este estará em movimento e o carro estará parado. Se ele estiver verde para o carro, este estará andando e o pedestre estará parado. Quando defino uma obra eu meio que acabo “diminuindo-a”, porque ela acaba tendo um único significado sem explicações dando abertura a outras variadas e diferentes interpretações, pois sei que cada um faz sua leitura sobre determinada obra. Para mim, o grande barato é deixar a obra livre. No meu caso sem dar palavras e contextos para explicá-las. Acredito que isso talvez possa extrair grandes inspirações de uma pessoa. Então, na minha concepção, é muito melhor quando não precisa ter explicação. Basta ter alma, afirmou.

Obras que simplesmente arrebatam nossas olhares, aguçam nossa curiosidade devido sua estética e   composição de seus elementos, que nos revelam mundos diferentes e diversos com a proeza de cenários “aparentemente rotineiros” conceituados no inusitado que dialogam com nossas emoções, sensações e interpretações individuais. Seria muito fácil se não fosse tão complexo, não é mesmo?

Uma atmosfera jocosa criada a partir da realidade das ações e movimentos das pessoas e da natureza,  explorando a relação pessoal de Andre Crespo com o mundo. Dentro desta conjuntura as obras desse extraordinário artista concebem cenários e situações pouco condizentes com as reais paisagens do mundo urbano atual, em seu “todo”. Infelizmente, nos deparamos com muita poluição visual como cartazes por todos os cantos; pichações em monumentos públicos e paredes; depredações de patrimônio público como bancos de praça, pontos de ônibus, academias de ginásticas ao ar livre; edificações antigas se deteriorando com a ação do tempo devido o descaso do poder público e da sociedade; pessoas andando nas ruas apreensivas devido à violência; vendedores ambulantes por toda parte tomando as ruas desordenadamente; assaltos constantes, e uma série de outras coisas que fazem parte do real cenário de grandes centros urbanos.

Obra do artista Andre Crespo.

Todavia, as obras do artista apresentam ambientes urbanos limpos visualmente, livre de todo esse caos (provocados por nossas ações), pessoas caminhando com tranqüilidade e aproveitando os prazeres oferecidos pelas metrópoles: limpeza, organização, comércio funcionando tranquilamente, respeito às regras de trânsito e outros fatores. Tudo evidenciado como gostaríamos que fosse ou como deveria ser ao “certo”: fui educado e ensinado a sempre ver o lado bom de todas as coisas e agradecer por tudo. Se tomba uma taça de vinho, a gente agradece que não foi a garrafa, por exemplo. E este meu modo de ver as coisas eu passo para minhas obras e claro, também para minha vida. De certa forma minhas obras emanam positividade e mostram que tudo pode ser melhor, explicou ele.

O artista usa como técnica a tinta acrílica para dar vida as suas obras que apresentam uma paleta de cores com tons bem variados, abrangendo não só cores quentes e frias, mas também o esquadrinhar monocromático. Obras de estética requintada, com jogo de luz enfatizando tanto o brilho como o opaco, harmonizado à tranqüilidade das expressões figurativas que estão em perfeito equilíbrio no diálogo com os demais elementos componentes de seus cenários, dentro de uma poética visual e conceitual de vida e construção social salutar, imprimindo o desejo de Andre Crespo de valorizar as sensações de uma vida bem vivida.

Obra do artista Andre Crespo.

Seu trabalho além de nos levar para um mundo melhor onde a vida é saudável em todos os aspectos, também nos remete a um passado “distante” por meio das cores e das formas de determinados elementos que confabulam com o nostálgico, com o familiar, com o romântico e com a liberdade, estabelecendo contatos iconográficos com a fotografia,  cinema antigo, gibis e cartazes publicitários de décadas passadas, atrelados à contemporaneidade.

Sua particularidade em contar o viver nas grandes metrópoles e representá-las em suas obras com olhar e poética genuína, rendeu ao artista mais de 60 Exposições entre individuais e coletivas nacionais e internacionais. As diversas metrópoles sob a perspectiva de Andre Crespo, já visitaram a “Habatat Galleries”, Virginia (EUA); na II Bienal de Artes de Brasília (DF); no “Salon National Des Beausx – Arts”, Louvre (Paris); na Art in London IV – Gallery 118, Londres; no “Museu Grand Palais” (Paris); na International Art Expo New York – Hudson River (EUA); na “Anjos Art Gallery” (Rio De Janeiro), entre tantas outras coletivas. Já nas inúmeras individuais o artista já expôs no “MUBE”, São Paulo; “Casa Das Caldeiras”, São Paulo; na “Galeria de Arte Andre”, São Paulo; “Fazenda Boa Vista”, Itu (São Paulo); “Galeria Cristal” (São Paulo); “Galeria Actual”, Lisboa (Portugal); “Galeria da Livraria Cultura”, Shopping Iguatemi (São Paulo) e tantas mais.

Artistas brasileiros no Grand Palais em Paris: Da esquerda para a direita: Alessando Jordão, Maria João, Abujamra,, Gisela Amaral, Andre Crespo, David Dalmau e Ricardo Amaral

Mesmo tendo exposto em diversas cidades de São Paulo, e outras grandes cidades como Rio De Janeiro, Londrina, Distrito Federal, Londres, Paris, Lisboa e Nova York, Andre Crespo faz questão de citar sua primeira Exposição individual que ocorreu no ano de 2003, em um Bistrô em São Paulo. Certamente por ter sido sua primeira individual, esta seja uma recordação especial não no sentido de ser mais importante que as demais, mas provavelmente por ter sido a primeira a lhe despertar a alegria da realização do sonho de todo artista que é o de levar sua arte para as pessoas.

Tão intrínseca é a arte em nossas vidas quanto a cidade em que nascemos, vivemos e visitamos turisticamente. Ficam registradas em nossa memória recordações de bons momentos, de aventuras, de festas, de troca de conhecimento, etc. Aproveitar a vida da melhor forma, mesmo com todos os obstáculos que surgem diante do nosso percurso, é a principal mensagem de um dos maiores nomes da arte visual brasileira. Esta mensagem otimista traduzida nas obras de Andre Crespo, oriundas de sua educação e experiência de vida, através de símbolos e elementos inerentes ao ser humano, forma um conjunto de referências de inspiração e reflexão. Não é a toa que o artista foi convidado para fazer uma pintura exclusiva para um Festival de cinema na França, teve sua arte impressa no lançamento de novas linhas de chinelo de uma das maiores marcas do mundo, a Havaianas, e também dispôs algumas obras para cenário de ensaios fotográficos de moda feminina.

Ensaio fotográfico de moda, tendo como cenário as obras do artista Andre Crespo.

Inspiração na natureza, na cidade, na vida e tudo mais que esta proporciona são o fôlego para as criações de Andre Crespo. Porém, existe uma pessoa especial em sua vida que é sua mulher, companheira e amiga: Cinthia Albuquerque. Presença forte e constante em muitas de suas obras, Cinthia exerce papel fundamental na vida desse brilhante artista. Mais que alicerçar seus estímulos, sua musa é seu oxigênio inspirador!

Mediante sua devoção pela arte, seu amor pela vida e por sua mulher, o artista afirma pintar o que vê: mas afinal, o que vêem os olhos de Andre diante de tantas contradições e desencontros existentes?  Como vemos o mundo? Como se vê o mundo?  Vemos nossos reflexos?

Viva Cultura!: Andre, muito obrigada pela entrevista e por permitir apresentar sua arte para nossos leitores.

Andre Crespo: obrigado a Viva Cultura! por divulgar e fomentar a arte visual brasileira.

NOTA: imagens e vídeos gentilmente cedidas pelo artista Andre Crespo.

REPRESENTAÇÃO: Andre Crespo é representado pelas Galerias;

Galeria de Arte André (SP); iGaleria (Alphaville -SP); Escritório de Arte Rejane Tacchi (SP); Almacém Thebaldi Galeria (RJ); Bahiarte (Londrina – PR), agenciado e representado por Bia Duarte nos EUA.

 

PRESTIGIE A ARTE BRASILEIRA!!

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