Arte Visual

Victor Grizzo e sua arte que traduz o imaginário e criativo mundo infantil e etéreo.

Victor Grizzo.

Por Jaqueline Stori – 04/07/2018

 

Nunca esteve tão em voga no comportamento social contemporâneo, questões relacionadas a identidade de gênero. Nas mais variadas culturas existentes este assunto ainda é visto como um tabu, como algo incompreensível, com intolerância, preconceito, hostilidade e até como inadmissível, principalmente quando relacionado à criança.

O perfil conservador e intolerante às diferenças de uma parte da sociedade, junto à uma outra parte tolerante e progressista (e aqui não se trata de qual parte está certa ou errada), traz para o dia a dia das pessoas, discussões, debates e pesquisas cientificas sobre identidade de gênero, onde esta é uma condição real existente desde que o mundo é mundo.

Assim, como diversas culturas e sociedades tentam inibir este assunto, tratando-o como uma perversão, uma doença, um desvio comportamental e até mesmo de caráter (por no fundo não estarem de acordo com suas convenções), existem também pessoas destas mesmas sociedades e culturas que lidam com esta questão de forma vanguardista, com compreensão, normalidade e entendimento que as diferenças existem e ponto.

Sabemos que tudo relacionado ao comportamento, educação e aprendizado das crianças, se torna mais complexo e delicado justamente pela ausência de maturidade, conhecimento e informação. Claro que é muito mais difícil tratar de certos temas com as crianças. Mas, é inegável que precisamos aprender formas e maneiras de tratarmos todos os assuntos conforme sua sensibilidade e capacidade de entendimento.  Pois só assim avançaremos para futuros adultos que mesmo não concordando e aceitando tais diferenças, saberão respeitá-las e tolerá-las.

Para isto é necessário nos mobilizarmos cada vez mais, atuando de forma benéfica e construtiva dentro de nossa sociedade, usando as mais variadas ferramentas de construção e desenvolvimento sociocultural como a arte, por exemplo.

Dentro deste contexto, a Viva Cultura! conheceu o trabalho  do artista plástico e escritor Victor Grizzo, que traz  a discussão de gênero e também de outros temas, através de uma arte associada ao universo infantil e etéreo. Suas obras inovadoras podem causar estranhamento a quem a observa, ao desconstruir personagens tão consolidados em nosso imaginário, porém, sua função enquanto fomentadora da educação, do novo, do criativo, do pensar, da análise, da reflexão, do questionamento e tudo o mais que implica na construção do desenvolvimento conceitual sociocultural, está cumprida.

Exposição.

Victor Grizzo, tem 26 anos, nasceu no interior de São Paulo, é historiador, artista plástico e escritor. Seu contato com a arte vem desde a infância que afirma ter sido solitária e tímida. Ele conta, que se sentia diferente dos outros de sua idade e por isso tinha certa dificuldade para se adaptar as brincadeiras, não se encaixando aos padrões comportamentais dos outros meninos. Com isso, acabava ficando muito sozinho. Como toda criança possuidora de imaginário criativo e fértil, criava suas próprias brincadeiras sendo que estas eram sempre voltadas para o universo artístico. Eu fazia peças de teatro, criei uma máquina de cinema… e tantas outras coisas afins. Chamava os vizinhos para assistirem minhas criações. Fui muito livre na criação das minhas brincadeiras. E com isso, fui percebendo que a imaginação infantil é muito rica a se explorar. Considero que a ligação da construção de minhas obras com o universo infantil esteja relacionada com a minha trajetória na infância, diz Victor.

Sua relação com a literatura teve início após fazer parte de uma oficina literária. Lá, percebeu que a literatura era a primeira forma de se comunicar. Primeiro eu escrevo e depois eu produzo minhas obras. As vezes escrevo em forma de poesia, as vezes parágrafos onde escrevo mais ou menos sobre o mundo que quero falar, seja nas instalações, nas aquarelas e nas pinturas. Para mim, a escrita é a forma mais rápida d´eu me expressar para depois eu traduzir isto para minhas obras. Tenho até o costume de denominar minhas escritas como devaneios.

Por isto caracterizo minha arte como conceitual. Porque primeiro ela parte de um conceito para depois dizer alguma coisa, afirma o artista.

Outras características marcante nas obras de Victor Grizzo, é a produção em séries e o universo etéreo com personagens em situações flutuantes. Vitor diz que estas situações flutuantes são uma tentativa de passar um pouco de leveza para as pessoas, já que vivemos um cotidiano tão difícil e estressante devido aos inúmeros problemas e dificuldades que pesam em nosso dia a dia e em nossa saúde física e mental. Os personagens flutuantes foi uma forma que encontrei de deixar tudo mais tranqüilo e mais leve para o olhar e para a sensibilidade humana. Em minhas obras, tenho a chance de me comunicar com esta leveza, afirma Victor.

Aquarela, A Viagem do Sopro.

Sobre as pinturas em séries o artista considera uma forma de dizer algo que não conseguiria dizer em uma única obra. Daí a importância e a relação com a linguagem literária. Eu vou escrever alguma coisa e as vezes não consigo criar uma única obra com tudo que escrevi, conta Victor.

Todas as séries criadas pelo artista tem uma relevância poética. A série O Invisível Plagiado, por exemplo, além da poética, foi desenvolvida com tinturas feitas de asa de borboletas.

A idéia desta série surgiu de uma visita que fiz a um borboletário. Lá, descobri que o tempo de vida das borboletas é muito curto, inclusive bem menor que seu tempo no casulo enquanto se prepara para a transformação. Isso me bateu uma reflexão de que a vida do artista é muito parecida com a de uma borboleta: a gente rasteja…rasteja…. para alguns momentos de brilho. Então, fiquei muito com esta metáfora da borboleta em minha cabeça. Fiquei encantado!… As cores das borboletas são incríveis! Pelo fato delas durarem muito pouco tempo, eu pensei em eternizar este brilho. Daí, fui perguntar o que faziam com os corpos das borboletas? Os corpos eram descartados. Então, perguntei se poderiam me doar, e através do aval do Ibama me fizeram a doação. Com um processo de maceramento consegui criar através das asas a tintura para a criação desta série e a eternização das borboletas, oriundas de sua matéria prima, conta Victor.

Flyer da Exposição O Invisível Plagiado.

Outra série incrível do artista é a Burtomirandas. Esta, foi criada exclusivamente para o concurso oferecido pelo MIS (Museu da Imagem e do Som-SP), como parte de sua programação.

Esta série, foi um dos capítulos muito importantes da minha vida como artista e também como pessoa. Me lembro quando o cineasta Tim Burton veio ao Brasil, no MIS, fizeram uma competição convocando artistas à criarem obras a respeito do universo cinematográfico dele. Me perguntei então, como poderia falar do Brasil para ele através da minha arte? Tim Burton chegando aqui no Brasil e eu pensando: como vou fazer isso? Foi então que me veio a figura da Carmem Miranda que para mim representa muito o que a gente é, de certa forma. As cores, a liberdade em poder se expressar daquela maneira… Enfim, representa muito esse Brasil que eu queria apresentar para ele. Além disso, eu sinto muito afinidade com o Tim Burton pelo fato de ter tido uma infância parecida com a dele, por não me enquadrar muito nos padrões da sociedade e por trabalhar com o universo infantil como ele. Dei inicio a esta série criando personagens que remetem ao universo sombrio de Tin Burtom, com características representativas do Brasil através da figura de Carmem Miranda. Vesti os personagens de Carmem Miranda, coloquei em suas cabeças adereços com frutas podres e esqueletos de peixes. Fiz 5 telas desta série para o concurso que entre as 700 obras competitivas a minha tela Chá das Cinco, foi selecionada para a exposição do MIS, conta Victor.

Chá das 5, da série Burtomirandas.

Na série Escarniozinhos o artista conta os versinhos populares como O Cravo e a Rosa, Boi da Cara Preta e outros. Nesta, o artista fala que tenta brincar um pouco com este universo infantil e também para chamar a atenção das pessoas na “estranheza” das letras trágicas desses versinhos cantados para as crianças. Já a série Luz dos Olhos Meus, começou com um livro voltado para o público infantil, que conta a história do menino Eugenio. Um menino como tantos outros, porém, escondido das histórias literárias. Um menino que não gosta de jogar futebol preferindo a compainha da prima Saturnina ou de suas amigas imaginárias com suas brincadeiras de boneca, teatro e dança. A mãe, o repreendendo por preferir a compainha e as brincadeiras da prima ao invés  dos irmãos.

Luz Dos Olhos Meus é um episódio que veio de uma forma muito natural. O fato d’eu ser gay, nascer numa cidade interiorana, ter dois irmãos hetéros e uma mãe que não tinha a mínima noção de como lhe dar com esta situação, fizeram com que eu escrevesse este livro de uma forma muito natural onde eu quis contar a história de um menino que não podia brincar com as amigas porque a mãe o tolia e falva para ele pegar bola e brincar de outras brincadeiras associadas às brincadeiras de menino. De certa forma, a história de Eugenio é um pouco da minha. Quis contar isto desta forma e quando me dei conta, vi que tinha ligação com o gênero e falei: Poxa este livro fala sobre gênero na infância! E percebi que as histórias infantis não falam sobre isso. Elas estão sempre ligadas ao hetero normativo: um príncipe e uma princesa, por exemplo. Neste caso, penso que o livro tem uma tentativa de comunicar e principalmente de criar um olhar sensível para esta questão na infância, diz Victor.

E como não poderia deixar de ser, o artista, em Luz Dos Olhos Meus, não ficou somente na literatura. Também a materializou em suas pinturas em série e instalações. Todas estas obras acabaram participando de uma exposição no Museu da Diversidade Sexual (S-P), onde o livro acabou virando uma instalação. O livro foi para a exposição para que as pessoas tivessem acesso e pudessem lê-lo. Eu vi que as pessoas ficaram encantadas com história de Eugenio!! Para mim é um projeto muito lindo e que me faz querer continuar a escrever livros infantis com esta temática. Acho importante pelo menos termos este material. Como ele vai ser recebido eu já não sei, conclui Victor.

Livro Luz dos Olhos Meus.

Falando em livro que acabou virando instalação, o artista também cria instalações e enxerga essas como um lugar para pensar o espaço. Eu acho que uma pintura não vai conseguir traduzir muito bem. Uma instalação vai. Minhas instalações são uma carta que trago na manga. Eu gosto muito de criá-las e fazê-las. Inclusive já estou criando uma próxima e acho que criará muito burburinhos porém… será bem legal. Mas, não posso falar nada à respeito por enquanto, para não perder a surpresa, termina Victor.

Viva Cultura!: Victor Grizzo, muito obrigada pela entrevista e por colaborar conosco através do seu trabalho, na divulgação da arte e da cultura.

Victor Grizzo: Obrigado a Viva Cultura pela entrevista e por apresentar meu trabalho em mais um canal de divulgação e fomento das artes.

*Todas as informações sobre o trabalho do artista em:

www.victorgrizzo.com

www.facebook.com/artevictorgrizzo

@artevictorgrizzo

** Imagens cedidas por Victor Grizzo.

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