Arte Visual

A poética literária dentro da poética da arte visual do artista Deco Adjiman.

Obra do artista visual Deco Adjiman.

Por Jaqueline Stori – 16/02/2021

 

Uma narrativa visual abstrata? Combinações de narrativas visuais e abstratas? Relações estabelecidas entre imagens e palavras? Expressar palavras em obras de arte ou criar obras de arte expressas em palavras? Gêneros artísticos complementares e (ou) gêneros artísticos similares? Literatura e arte visual ou (e) literatura com arte visual?

Se pararmos para perguntar por que ou como é possível e passível de unificar linguagens diferentes e diversificadas, em variados gêneros artísticos, não poderíamos fazer mais nada, pois a cada afirmação e pergunta viria outra resposta, e outra e mais outra, pois o tema é muito abrangente em múltiplas questões, possuindo um infinito de interpretações, sentimentos e sensações, combinados ao olhar e pensar de cada um.

Aqui, exclusivamente nesta matéria, trazemos duas potencialidades próprias, que permitem sua existência separadas: a imagem e a palavra. Ambas co-existem no pensamento humano, pois o visual evoca sentimentos que são traduzidos em palavras que por sua vez constroem cenários em nossas mentes e consequentemente liberam diferentes sensações.

Para cada obra de arte e artista, um universo criativo e informativo. Por tal razão é impossível trazer um panorama da relação entre artes visuais e literatura, até porque estas possuem ligações arcaicas que remontam às primeiras epopéias escritas na Mesopotâmia e Egito, destacando a profusa produção plástica dos gregos à partir das sagas Odisséia e Ilíada. É como um mar, que por mais que se mergulhe e alcance sua profundidade, nunca ninguém saberá seu começo, meio e fim. Assim é a convergência entre palavras, imagens e arte!

Obra do artista visual Deco Adjiman

E como cada um tem sua maneira de ver, ouvir, sentir, falar e interpretar, apresentamos o universo artístico do artista visual Deco Adjiman, que traduz para sua arte a singularidade de seus gostos e interpretações do mundo literário em consonância com suas obras.

Deco Adjiman nasceu e vive na cidade de São Paulo, formou-se em comunicação social pela FAAP, e trabalhou muito tempo com marketing, publicidade e moda até 2018. A escolha pela formação em comunicação se deu também pelo fato de adorar literatura. Deco, disse que a literatura sempre esteve presente em sua vida e que por isso, não só consumia obras literárias como também escrevia muito, desde sua adolescência. A partir de 2013/014, começou a fazer alguns trabalhos com madeira, que envolviam a palavra. Esses trabalhos com madeira, no início, eram produções bem pessoais realizadas para uso prático em âmbito familiar. Conforme ia trabalhando com estas produções, ia adquirindo interesse em paralelo com as artes visuais, que o levou a iniciar pesquisas sobre arte em 2014.

Neste mesmo ano conheceu uma galerista que tinha um espaço de residência e experimentações artísticas, com a qual trocou muitas informações culminando na abertura de um leque de aprendizado e conhecimento muito rico sobre artes visuais e principalmente arte contemporânea. Obviamente que esta experiência lhe influenciou a caminhar pelo mundo das artes. Começou a trabalhar com arte produzindo suas obras conciliadas com a literatura, uma de suas maiores paixões. Ainda neste ano, a galerista inaugurou sua galeria, a Galeria, e o convidou a fazer parte do quadro de artistas, onde Deco permanece até hoje. O que foi ótimo, pois o artista deu entrada no mercado das artes já tendo representação de galeria. No entanto, foi no ano de 2018, que Deco Adjiman tomou a decisão de largar seu trabalho formal e dedicar-se exclusivamente às artes visuais, abrindo também mais espaço e tempo para ter contato com a natureza: um momento da minha vida onde parei de fazer tudo com pressa para procurar perder tempo no sentido de deixar as coisas caminharem num outro ritmo e ganhando espaço nesta idéia. Idéia de alongar o espaço da nossa ocupação, da nossa caminhada no planeta, explicou ele.

Obra do artista visual Deco Adjiman

A arte de Deco Adjiman, não só tem ligação intrínseca com a literatura, mas também relaciona-se com a natureza e seus elementos. O artista contou ter necessidade de ter contato com a natureza, e por tal motivo pratica alguns esportes que lhe permitem esse contato, já que os mesmos só podem ser praticados em ambientes naturais. Além dos esportes, longas caminhadas, contato com o mar, com a mata, formações rochosas, cachoeiras e montanhas, completam seu infinito de possibilidades e de autoconhecimento pessoal e artístico. Deco Adjiman quando sai para observar, sentir e dialogar com a natureza, depara-se com muitos elementos pertencentes a ela que estão frescos ou que já sofreram a ação do tempo. Seres vivos como plantas ou resquícios de natureza morta, como madeiras, galhos, folhas secas, conchas entre outros, ganham vida nova e poesia na arte desse talentoso e criativo artista.

A literatura o alimenta e o transforma como pessoa e influencia seu olhar. Deco Adjiman se interessa pela palavra, nas suas possíveis visualidades e na relação do caminhar e errar como construção de uma nova paisagem. Dentro das inúmeras e mais variadas obras literárias que ele consome, e que muito fala com sua essência artística, estão as obras de Guimarães Rosa em especial a obra Grande Sertões Veredas, onde o artista diz interpretá-las e senti-las como idéias de deslocamento: vejo principalmente em Grande Sertões Veredas a idéia de uma grande travessia. Inclusive o autor termina esta obra com a palavra travessia, que é a última do livro. A travessia de Riobaldo, mas também esta travessia que é nossa da vida. Então, eu entendo um pouco minhas caminhadas como uma grande travessia onde vou reparando nas quisquilhas deixadas pela natureza, explicou ele.

O artista visual Deco Adjiman ao lado de suas obras em Exposição.

E de fato, como podemos constatar, não é a toa que estas quisquilhas atravessam sua caminhada, ou, o contrário. O artista cria esculturas, instalações e objetos, extraídos da natureza como madeiras (em maioria), pedras, conchas, gravetos, pregos, cordas, conchas, folhas, plantas e outras matérias primas pelas quais tiver afinidade. Inclusive, na maioria de seus trabalhos, o artista faz uma combinação destes materiais ao invés de sempre trabalhá-los esculturalmente. O uso da madeira é uma questão de gosto, do prazer em trabalhar com a madeira e do interesse pessoal do artista na construção de seus trabalhos com ela: Quando toco a madeira sinto que aquilo já foi um ser vivo e que continua tendo utilidade. Também procuro usar madeira que eu encontro nas minhas andanças, ao invés de comprar madeira, por questões de princípios, para não ter que ficar comprando muita madeira. E tem também a questão do interesse da matéria já ter existido em algum lugar, ter tido mãos que a tocaram, ter tido história de como por exemplo, a de ter servido como batente para segurar a casa de alguém e pessoas terem passado por ela, disse ele.

Materiais brutos, rústicos e orgânicos se juntam em harmonia com a leveza poética da arte visual e da literatura. No entanto, tanto a literatura como a arte visual, também revelam e apresentam o inverso da poesia. Sobre a questão do inverso da linguagem poética, percebemos nas obras do artista, a liberdade confiada ao expectador para sentir ou decidir qual lado ou qual sensação suas obras vão revelar para cada um em particular, mesmo contendo propostas conceituais pré-definidas pelo artista, conforme o público pode conferir em suas obras e como pôde conferir em suas três Exposições Individuais realizadas nos anos de 2014/016/018 e 020.

Obra do artista visual Deco Adjiman

Em 2014 na Exposição ”A poesia Venceu” o artista apresentou trabalhos que tratavam da materialização de versos e poemas simultaneamente, com o desgaste da poesia como voz: era a idéia de uma poesia vencedora, mas ao mesmo tempo vencida (no sentido de expirada), cujas obras tinham muita a presença das palavras. Em 2016 na Exposição “Eu mesmo Outro”, oriunda de uma extensa pesquisa sobre tradução, Deco Adjiman, muito envolvido na idéia de produção entre linguagens, tentou materializar alguns poemas famosos como A FACA SÓ LÂMINA, de João Cabral de Melo Neto, entre outros, objetivando dar materialidade para idéias em imagens poéticas: foi uma tentativa de tradução, mesmo. Numa tradução perde-se muita coisa, mas ao mesmo tempo cria-se um outro mundo. Ainda mais uma tradução entre línguas e linguagens, explicou o artista.

Já em 2018, na Exposição “Thaúna”, o artista tratou de questões metafísicas com a criação de Deuses e de toda uma mitologia e ritualística própria, originárias da transcendente experiência em tornar-se pai. No ano de 2020, Deco Adjiman apresenta para o público a Exposição “Desvios”, mostrando um conjunto de exemplos que consistia na construção de conjuntos de cunhas de madeira equilibradas entre pregos.

Trabalhos que para muitos olhos, vêem a tal travessia pela qual atravessamos até mesmo sem ter consciência de que atravessamos, porém, de uma forma ou de outra, atravessamos porque a ação do tempo nos faz atravessar: são processos pelos quais atravessamos, onde estes vão nos transformando. E eu misturo estes dois processos: o processo da palavra e o processo da caminhada, afirmou o artista.

Obra do artista visual Deco Adjiman

O fascínio de Deco Adjiman em costurar artisticamente entre estas pontas, o livro e a estrada, a palavra e o deslocamento, revelam parte de sua inquietude por descobertas reveladoras e inovadoras também. O artista atualmente está fazendo uma série de trabalhos, que é um processo de fazer inventários: inventário é uma palavra quase burocrática, onde tem essa conotação de empresa que faliu ou alguém que faleceu. Mas, esta palavra, carrega também o verbo inventar e ventar, que são verbos que me interessam e estão muito ligados às minhas práticas artísticas. Inventar mesmo sobre uma realidade, como um artista que trata de assuntos reais através de alguma dose de invenção e principalmente de uma dose de mistério. A carga de mistério que existe na arte é muito importante e diferente da ciência, que procura trazer respostas. A arte lida com perguntas entregando mais perguntas. Ela tem esse poder! O poder do mistério e do encanto e não necessariamente do bonito ou do belo, mas, algo com alguma coisa que desperta o lado da questão estética, explicou ele.

Mistério…! Invenção…! Elementos que nos conduz à reflexão. Mais que isso, a desafiadora arte deste grande artista não é só um relacionamento entre literatura e arte visual. É um relacionamento entre o âmago poético das palavras e seu poder de mudança que não se enquadra nas limitações do tempo, junto à essência atemporal da poesia da Natureza!

Viva Cultura!: Deco, muito obrigada pela entrevista e por permitir divulgar e apresentar sua arte!

Deco Adjiman: Obrigada a Viva Cultura por divulgar e fomentar a arte visual brasileira.

NOTA: Todas as imagens foram gentilmente cedidas pelo artista.

** Deco Adjiman é representado pela SÉ Galeria, em São Paulo.

*** Mais informações sobre o artista em: decoadjiman.com

PRESTIGIE A ARTE BRASILEIRA!!

Leave a Comment